Queria relaxar, espairecer, me divertir e, casualmente, emagrecer cinco quilos.
Certa manhã, parecida com a de hoje, aqui em Porto Alegre, brilhante como são as manhãs de outono quando o ar parece polvilhado de bilhares de partículas luminosas, o rio assume cor de prata e as árvores choram a cada folha que cai, uma colega de spa lia um livro à beira da piscina, estirada numa chaise-longue.
Escorriam lágrimas pelo seu rosto. Cheguei perto da moça que era adequadamente gordinha para o ambiente e vi, surpreso, que ela estava lendo um livro meu, de crônicas, não lembro se o primeiro ou o segundo, que eu tinha levado de presente para a gerente do spa que era minha amiga e ela pegara emprestado.
A moça olhou para mim e sorriu, os olhos úmidos e as bochechas gordinhas manchadas pelos traços das lágrimas. Perguntei por que ela chorava e ela me respondeu que aquilo não era choro, era o suor da alma. – Suas crônicas estão fazendo minha alma suar, explicou.
Ó orgulho, teu nome é vaidade!
Inflei tanto que recuperei os quilos que já havia perdido e ganhei alguns mais. E não era para menos, não é qualquer escritor que faz a alma de uma mulher suar, eu não conhecia nenhum outro, até então.
E, modestamente falando, ainda não conheço.
De outra parte a moça, cujo nome olvidei, subiu dez andares no patamar da minha consideração: Sensível, bom gosto, acuidade literária, inteligência superior, quase esqueci que ela era gordinha demais para o meu gosto e, aqui entre nós que não sou de fazer fofoca, o rosto também não era lá essas coisas, nada de querer ver na hora de acordar.
Aos mais afoitos esclareço que nada aconteceu, nem a conversa seguiu adiante. Eu me senti tão imenso que não havia espaço para mais ninguém, o mundo era pequeno demais até para mim.Os dias seguintes transcorreram sem incidentes, aprendi a dançar aeróbica, fiz ginástica na piscina, virei um ser à milanesa, untado de óleo e coberto de sal, tomei choques leves no estômago, caminhei quilômetros, derreti como um protoplasma em saunas úmidas, levei surras de folhas aromáticas nas costas, coxas e bunda e devorei refeições gargantuélicas, compostas de folha de alface, ricota, cinco centímetros de filé de peixe, tudo ao saboroso tempero de duas gotas de limão, sobremesas compostas de dois milímetros de gelatina sem gosto e cafezinho com meia gota de adoçante. Na pesagem final eu tinha perdido seis quilos e fui consagrado, no jantar de despedida, quando o cardápio mudou substancialmente com o acréscimo de mais uma folha de alface, como o campeão da perda de peso da semana. Tenho a faixa lá em casa, para provar a glória.
Nunca esqueci a definição da gorducha, que pouco emagreceu sob a tortura, para lágrimas: suor da alma.
Mesmo eu, que não acredito em alma, reconheço que o conceito é lindo e, como quase nunca sou mentiroso e omisso, vou revelar a você, em absoluto sigilo, que ao longo dos anos, muito me valeu o episódio.
Durante os piores momentos de tristeza, de saudades, de abandono, todas as vezes que me olhei no espelho e chorei, nas horas trágicas de perdas e fracassos, ao sentir vergonhas pérfidas de ressacas homéricas e constrangimentos formais, sempre me restou o consolo de saber que, um dia, o que escrevi fez a alma de uma mulher suar, portanto eu não era tão péssimo.
Os anos passaram, muitos para o meu gosto.
Encontrei outros modos de lidar com frustrações, criei anti-virus contra tristezas, larguei aquela de viver com pena de mim mesmo, evitei situações em que pudesse me sentir abandonado, larguei de mão os porres e elaborei consistentes filosofias para sofrer menos com as perdas de pessoas queridas.
Há quem diga que amadureci, mas eu não acho.
Inclusive tenho a pretensão de ter decifrado o desejo que nos aumenta, a partir de certa idade, de voltar a ser jovem, mas isso outro dia eu conto.
Suor da alma, quer coisa mais linda para pensar, numa manhã de sol, em pleno outono? Sem orgulho e sem vaidade?
Você se comove e sua alma sua, o suor escorre de seus olhos, brilhante e salgado e, destilada a emoção, a alma se conforta.
Clarice Lispector já fez suar minha alma só que eu não sabia.
Lya Luft abriu uma cascata de suor em minha alma, com seus poemas vividos, cada verso uma gota de suor da alma dela mesma.
Beethoven arranca toneladas de suor de minha alma, principalmente o segundo movimento da Sétima Sinfonia.
Atualmente a torneira do suor de minha alma está totalmente aberta e acho que vai ficar assim por mais trinta e seis dias.
Suor bom, suor gostoso, suor de alegria, de lavar a alma para que, limpa e satisfeita, ela saiba que jamais deve perder a capacidade de suar .
Muitos me olham e perguntam se estou pegando uma gripe, de tão inchados meus olhos andam, tão ardidos do suor da minha alma. E vai melhorar, sei que vai, serão suores abundantes que temo, quando chegar a hora, não poder controlar, muito menos conter.
Nesta contagem regressiva que já soa interminável, ganho mil emoções novas a cada dia, sensações indescritíveis de empolgação e felicidade a cada hora, devaneios de expectativa e ansiedade a cada minuto.
Maio vai chegar e nele o dia vinte e quatro.
O dia do casamento da minha filha.
Paulo Wainberg
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