quarta-feira, 26 de agosto de 2009

sábado, 15 de agosto de 2009

segredo




neste silêncio que nos guarda
apenas a compreensão calada
de palavras sem precisão
de ser escrita ou falada

assim, sabemos de alguns limites
sabemos, ainda, da percepção do outro
que cada dia avança um bocado
e são assim os encontros

meu ser se agasalha no teu
te encontra imagem invertida
do ser que habita em mim
moro em ti, como moras aqui

num convívio de inevitável desejo
cada um respira a sua atmosfera
mas o sangue que percorre as vias
irriga o corpo, os pelos, a pele

são condutores de um sentido
um segredo perceptivo e morno
mas a lógica ensinou verdades
que segura o desejo e inibe

mas o desejo é bom quando se sabe
mergulhar na confiança aos poucos
sabe-se que há alimentos vitais
que não podem ser deixados de lado

e cada vez que vejo esse compreender
mais incorporo a razão no amor
quando se entra em estado de empatia
e é um segredo quieto que fala

e fala baixo só no ouvido de cada
e diz o que precisa e pode ser dito
e estabelece assim um respeito
de um pelo sagrado do outro

e assim se desenvolve a vontade
mesmo que ainda não tenha proposta
um plano secreto de entrega
sensorial que ecoa no corpo

e há aqui um segredo sagrado
dentro de uma intimidade profunda
porque há de se ver que a vida
precisa andar na via do mundo






por Claudio Fagundes (CAlex)


um beijo em bolero




não sei se te cabe
lembrar de instantes
flashes de palavras
ditas de passagem
em meandros de fios
pensamento que voa

são alegrias morosas
encontro sem hora
entre coisas difusas
a engendrar raciocínios
em razões e empatias
e pequenos detalhes

talvez fosse cedo
que viesse a noite
e eu esquecesse
na bagagem das horas
do peso das coisas
vividas há tempos

as horas fluindo
o tempo se deixando
ficar na preguiça
e deixar-se esquecer
que há compromissos
distantes agora

e tu não lembraste
das pequenas promessas
que juraste lembrar
e a noite bebeu
imersa nos lábios
em sussuros sem penas

seria como do nada
de repente um murmúrio
num beijo tão cúmplice
dum elo escondido
guardado em segredo
que se desse a saber






por Claudio Fagundes (CAlex)


agonia




não tenho culpa
e pouco posso fazer
pelos teus desenganos
e o vazio que te percorre

nem posso te dar mais
que um silencioso apoio
porque você nem permite
que eu esteja perto

não quero julgar
as tuas escolhas de hoje
e as que fizestes há tempos
não quero julgar, nem posso

é que eu te sinto morrer
a cada dia que passa
e vejo o quanto te destróis
a cada minuto do tempo

se as palavras de outros
cabem melhor tuas idéias
seria bom que ao menos
lhe dissessem 'te quero'

mas hoje ninguém se quer
e na solidão de teu quarto
passas o dia em penumbra
tu que vives da luz

te trancafias no exílio
na fome da inanição
e ninguém faz nada
só eu que noto

e no entanto tu não vês
nem de dia quando dormes
nem de noite quando gemes
gemidos sem som

e te destroem as horas
te carcomem os silêncios
e não fazes nada
e não fazem nada

um dia não ouvirei mais
os teus silêncios
um dia um dia qualquer
também estarei morto





por Claudio Fagundes (CAlex)

Adeus querido amigo Iosif

"Para tudo há um tempo nesta vida"... Um tempo de reencontros, e um tempo de partidas.


Iosif Landau (Bucareste, 1924- RJ 14/08/2009)


Vá em paz meu querido amigo.

Que bom que, ao menos, conseguimos te ter um pouquinho por aqui no poetas-lusófonos.

"voltei do hospital pra casa, e voltei ao hospital de novo, ee agora em casa, tudo se repete como numa fileira de espelhos e me vejo hoje magro e reduzido a metade da minha robustez...e minha vaidade atingida de morte...morte e a palavra do dia...me desculpem a ciníca morbidez,mas esse é ainda o unico modo que encontro pra encarar o inevitável...." (Iosif Landau 25/07/2009. Tudo se repete)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

amor e escravidão




como diz Apolinaire em seu belíssimo poema Le Pont Mirabeau
"passam os dias, passam as horas,amores se vão e eu permaneço"

amor não é para sofrer, não é para escravizar
amores acontecem a cada hora e a gente nem vê

a gente se escraviza em nossa obsessão
um olha único para uma miragem criada
e sofre porque a realidade não obedece ao delírio





por Claudio Fagundes (CAlex)


quarta-feira, 12 de agosto de 2009

[as palavras são pequenas]




as palavras são pequenas
nesta madrugada vazia
em tom fúnebre

perderam-se os ocasos
os limites das finitudes
os horizontes
as fronteiras
e permanecemos
distantes

assim se foi
o tempo do encontro

escoaram-se todas
as possibilidades de elos
que brincaríamos
de serem eternos
perpétuos
não há mais tempo

e permaneceremos distantes
um do outro
no desencontro infinito
das mãos
vazias de sentido
e que nunca se tocaram
e estão agora
abanando o adeus
sim, adeus.

mas, quem se importa?





por Claudio Fagundes (CAlex)


terça-feira, 11 de agosto de 2009

mornidez

estou cansado
cansado de tantas palavras
tantas letras misturadas
e que não dizem nada
estou cansado

sílabas que apenas roçam de passagem
para um objetivo qualquer
efêmero e fugidio
num jogo de suposições
estou cansado

de compor uma epopéia
de mitos legendários
despidos de sorte ou de azar
nus de intencionalidade
estou cansado

de compor um mundo vazio
repleto de pequenas tristezas
sonhos imbecilizados
de crianças que envelhecem
estou cansado

de compor cotidianos de martírios
de tatear na névoa
a mornidez que me alheia
ao fundo de um cenário de neon
estou cansado

enfim, de focos de escuridão
de misturar minha carne
em cima de lençois encardidos
onde deposito minha fome
estou cansado



por Claudio Fagundes (CAlex)

canção de inverno

O sol voltou a São Paulo, mas permanece um frio gelado cortando os músculos e endurecendo os nervos. O dia está bonito lá fora, a cidade volta ao seu ritmo febril das pessoas apressadas, mal humoradas com as contas a pagar e sem vontade de viver.

Não. Eu não ando apressado, não tenho contas a pagar, mas também não tenho vontade de viver.

É quando a arte perde o sentido. As músicas, quaisquer delas, se tornam enfadonhas e cada vez mais prefiro o silêncio. Quando as leituras não se desenrolam, e eu prefiro as páginas em branco. É quando a poesia já não tem um por que nem o que dizer. Quando todas as imagens se misturam e deixam de constituir algo senão o nada.

É quando perco a vontade de comer porque as coisas perdem o sabor e tudo se transforma em uma gororoba insólita. É quando olho em volta e não me encontro, nem mesmo em uma melancolia. Olho com apatia para as paredes e vejo que falta alguma coisa que sequer posso imaginar o que seja.

É quando as pessoas da rua perderam seu rosto. É quando as conversas tecem sempre os mesmos temas. Quando as adolescentes não têm mais encantos e as crianças não têm mais seu sorriso infantil.

Quando isso acontece e está acontecendo a vontade de continuar vivendo já foi embora e só falta eu ir também.



por Claudio Fagundes (CAlex)

janela de chuva

se você nem faz questão de viver
e dá a vida já por vencida
que mais posso te dizer eu?
eu que lamento tanto
tempos e vidas
que passaram por mim
você será apenas
uma vida mais
que irei lamentar

os dias passam
pela minha velhice
atravessam a solidão
eu olho através da vidraça
eu vejo as pessoas sem rosto
murmurando entre dentes
a canção do silêncio
apenas um rosto a mais
que irei lamentar

sentado no meu carro
a chuva bate triste no pára-brisa
eu escuto uma canção antiga
e espero o sinal abrir
eu olho os carros do lado
com aqueles vidros sem rosto
acelero e sinto o motor
empurrar minha vida pra frente

se hoje estou mais triste
que ontem isso é normal
cada dia que passa
fico mais certo
que meus sonhos se foram
em que as coisas pequenas
deixadas de lado
foram as únicas verdades
que resistiram ao tempo
e que ficaram

e hoje eu sei que tudo passa
e que não ficou nada daquilo
que um dia chamei de ser feliz
os dias ficam cada vez mais difíceis
as horas gotejam sangue
e lá fora só restou a vontade
de ir e encontrar contigo
e hoje não te vejo na distância
eu me perdi no emaranhado
do resto de minha vida.



por Claudio Fagundes (CAlex)

domingo, 9 de agosto de 2009

62 – A Dama do Metrô



Olhou-se no espelho. O resultado até que não estava de todo ruim. Precisava apenas acentuar a maquiagem deixando-a um pouco mais pesada. Foi o que ela fez. Entraram na pista de dança de braço dados. Dançaram quase a noite toda entre os mais variados e esquisitos tipos que ela nunca pensaria ver. Houve um momento em que precisou ir ao toalete. Para tanto tinha que passar por um corredor sombrio, mais escuro que a pista de dança. O que viu constatou, perante aquele pessoal era uma santa, não podia ser acusada de pecadora. Havia pelo corredor todo, casais na maior naturalidade abraçando, beijando, homem com homem, mulher com mulher, mulher com homem e homem com mulher e tudo o mais. Ao chegar a porta do toalete, precisou pular por cima de duas mulheres abraçadas, rolando pelo chão, praticamente nuas.

Ao voltar não encontrou Ronildo onde o deixara. Foi encontrá-lo bebendo no balcão abraçado ao um rapaz que ostensivamente o acariciava. Malu sentia-se enjoada de tudo aquilo, a princípio viu como interesse, com curiosidade quase carnal pela diversidade de tipos e pelos modos de agir e de se vestir. Mas isso tudo foi tomando um certo pavor em suas entranhas que, revelou não querer mais isso, que não era o que esperava. E que, até agora, Ronildo se demonstrou apenas um idiota que se entregava aos instintos da sexualidade perniciosa.
Por isso, com a maior naturalidade, sem se importar com o rapaz que o acariciava, enfiou o braço no braço dele dizendo.

- Por favor, me leve daqui. Vamos para um lugar onde possamos ficar a sós por uns momentos.

Ronildo se desvencilhou do rapaz, dando-lhe um beijo.

- Vai querido, depois conversamos.

Encarando Malu, perguntou quase num tom irritado, mas que conseguiu controlar.

- O que foi? Não está se divertindo?

- Estou, sim.

- Então?...

- É que esperava outra coisa.

- Que eu fosse machão e não afeminado como me vê, não é?

- Bem um pouco é isso também.

- Porque você não deixa seu lado masculino aflorar?

- Não vem com esse papo freudiano, ou seja o que for por cima de mim que não é hora e nem momento apropriado para se encarar filosofia barata.

- Uhm, estou vendo que está zangada.

- Zangada não, frustrada e chateada.

- Você é uma burguesa de classe média que não se sabe se soltar Oh! mina se libera, deixe sua fantasia lhe dominar, curte a noite como se fosse a última noite de sua vida. Vou por você num táxi e depois te telefono, está bem?

- Acho melhor, mesmo.

09.02.07
pastorelli