sábado, 26 de abril de 2008

17 – A Dama do Metrô.

Malu refletia. Colocava em ordem às seqüências da vida numa determinação dos porquês envolvendo seu agir que, muitos, a condenava. Não entendia a necessidade em saber desses porquês. O que primeiramente pensou e, colocou em ação, foi fazer psicanálise. Depois de procurar, pesquisar, encontrou um psicanalista recomendado que, diziam, ser de confiança, tanto no procedimento ético como cumpridor do juramento hipocrático, como lhe disseram as amigas. O que vinha ser esse juramento não tinha noção nenhuma e, muito menos o que era hipocrático. Mesmo assim, após pensar vários dias, pesando os pós e os contras, decidiu marcar uma consulta.

Estava no horário. Não teria que correr, se o metrô ajudasse, for mais rápido, chegaria até com vinte minutos de antecedência. Foi quando ao virar o rosto, num movimento inconseqüente, notou o rapaz loiro em pé que a fitava. Seu coração disparou. Nunca fizera amor com um loiro. Não poderia perder a oportunidade. Indecisa se devia ou não, encarou os olhos escuros que a admirava. Nisso, um perceptível gesto chegou até os seus olhos bem no momento em que se levantava para descer. Da plataforma jogou um beijo antes que a porta do trem fechasse. O loiro sorriu, talvez pensando em encontrá-la futuramente.
Contrariada por perder uma aventura, saiu da estação recebendo o sol da manhã contente com a vida.
Com o papel na mão, verificou que o numero que procurava estava a sua frente. O prédio se encontrava no outro lado da rua. Atravessou e entrou no escuro cinzento corredor todo ricamente acarpetado. No elevador apertou o numero do andar do consultório do médico.
25.10.06
pastorelli

terça-feira, 22 de abril de 2008

OURO POR OURO, PENTE POR PENTE

Durante muito tempo pensei que Talião fosse o nome de algum cruel tirano da antiguidade, brutal e vingativo, que a ninguém perdoava e, olho por olho, dente por dente, punia os desagravos com ferocidade implacável.

Muitas coisas na vida são assim, ouve-se falar, tira-se as próprias conclusões e acredita-se nelas como se fossem verdadeiras.

Não recordo como a expressão “olho por olho, dente por dente” entrou na minha esfera de conhecimento, se através de amigos, de alguma leitura, notícia de jornal ou citação e sempre teve, para mim, a conotação de incitar vingança, de ser uma norma cruel e de péssima reputação.

Ocorreu que certa madrugada despertei pensando: “Quem foi Talião?”. A pergunta ficou martelando até que adormeci novamente. Quando acordei pela manhã, a perguntou ressurgiu e, antes de querer a resposta, eu perguntava o motivo da pergunta.

Na época eu fazia terapia em grupo, uma grande experiência por sinal. Coloquei a questão para grupo, na esperança de ouvir uma explicação dos colegas e uma interpretação do terapeuta.

Vã esperança. O assunto não deu IBOPE, o máximo que ouvi, “em passant” como diz o Lula, foi um comentário distraído: - ter curiosidade não é problema – e foi-se o grupo a tratar do problema de um rapaz que vomitava sempre que se aproximava de uma mulher.

Não me amofinei, sinceramente. Se eu queria saber quem foi Talião, então que fosse pesquisar e saberia. Na época as fontes rápidas de informação eram as enciclopédias, enormes coleções que tratavam, sinteticamente, do manancial do conhecimento e tinham que ser atualizadas todos os anos. Não era fácil a procura. O último volume em geral era um índice alfabético que remetia ao número do volume e da página correspondente. Se você não encontrasse o que procurava no índice podia desistir, a informação não existia ou não estava disponível.

Havia três enciclopédias na biblioteca do meu pai: a Jackson, a Barsa e o Tesouro da Juventude.

Durante algumas semanas olhei para as estantes e deixei para amanhã a pesquisa, eu tinha coisas mais importantes a fazer, a principal delas era esperar que meus pais saíssem para o cinema para tentar comer a empregada doméstica.

Durante o dia não dava para pesquisar, tinha o colégio, o futebol, o tema de casa – que sempre ficava para depois, os amigos, as gurias, atividades prioritárias que teimavam em reforçar minha preguiça, meu pecado capital preferido, depois da luxúria e da gula.

Passaram os dias e passou o desejo de saber quem foi Talião. O assunto afastou-se da minha realidade tanto quanto a desova dos bacuris ou as leis de consumo na Groelândia.

Seguiu a vida como os rios, Talião e sua Lei repousando em algum limbo da memória, arquivo não utilizado.

Alguém já usou a expressão: “os insondáveis mistérios da mente”? Caso ninguém tenha usado alegre-se, você está diante de uma originalidade. Mas não se empolgue, tenho certeza que já ouvi essa expressão, literariamente falando.

Pois.

A mente possui insondáveis mistérios, o maior deles é o comportamento. Explico melhor: a mente se comporta tão misteriosamente que, nem usando as mais modernas técnicas de hipnose, de lavagem cerebral, lobotomia central ou lateral, introdução de chips aleatórios, condicionantes ou perspicazes, biópsias eletrônicas, autópsias médico-legais, perfurações profiláticas, anodos sinodiais e ondas nanomagnéticas, se consegue sondar.

Não é que, há quinze dias, acordo de madrugada querendo saber quem foi Talião? Olhei o relógio, eram quatro e meia. Levantei e fui ao banheiro, fazer xixi. Terei acordado para fazer xixi e pensado em Talião ou terei acordado pensando em Talião e aproveitado para fazer xixi?, era o que me perguntava, observando as borbulhas na água do vaso sanitário. Puxei a água, lavei as mãos e, decidido a não prolongar a matéria e adiar a dúvida, combati herculeamente a preguiça e fui pesquisar.

Diante de mim, no lugar das imensas estantes e suas enciclopédias intermediáveis, a tela e o teclado do computador.

Ó benesses da vida moderna e suas simplificações.

Contive a impaciência enquanto minhas configurações eram abertas, os ícones da área de trabalho se revelavam, os negocinhos da barra de ferramentas entravam em ordem e o anti-virus realizava uma atualização automática. Cliquei na internet, entrei no Google, digitei Lei de Talião entre aspas e em 0,12 segundos apareceram aproximadamente 47.100 informações.

Não pesquisei todas, na verdade apenas duas.

Descobri, espantado, que “talião” não é ninguém, não é um lugar, não é sequer o nome de alguma coisa. É uma palavra composta originária do latim: talis onis ou talio onis, isto é, “pena igual à ofensa”, norma descoberta pela primeira vez no Código de Hamurabi e depois referida na Tora judaica, manifestada pelo aforismo universal, Olho por Olho, Dente por Dente.

Estarrecido, continuei lendo e aprendi uma coisa que, como advogado, eu devia saber há muito: a lei de talião constitui a primeira manifestação legal que estabelece que a indenização deve corresponder exatamente ao dano causado, nem mais nem menos. Dela provem as proibições existentes nos Códigos Civis, desde o Direito Romano, de enriquecimento ilícito, isso é, alguém obter vantagem indevida a custa de outrem, ainda que o outrem tenha causado um dano.

Ao contrário de ser a expressão imperativa para “vingança”, a Lei de Talião limita o direito do prejudicado em ver reparado o dano sofrido e impede que o causador desse dano seja explorado, tendo que indenizar além do prejuízo que causou. Se me tirares um olho, terás que me devolver um olho. Se me tirares um dente, terás que me devolver um dente.

A conotação vingativa foi introduzida pela Igreja Católica que tanto revisou o Velho Testamento. Segundo a nova interpretação, se me tirares um olho, tenho o direito de te tirar um olho, se me tirares um dente, tenho o direito de te tirar um dente.

Ou seja, vingança pelo prazer da vingança, visto que nenhuma vantagem aufere alguém que se cobra de um olho perdido tirando um olho do outro.

A norma original, que continha um conceito primordial da Justiça – reparação do dano no limite do dano - foi transformada em apologia do ódio gratuito, enriquecendo o manancial das pregações religiosas e suas eternas e inúteis sagas em favor do Bem, na eterna luta contra o Mal.

Que coisa!

Não sei você mas eu prefiro o sentido original: se você me prejudicar em dez, tem que me indenizar em dez e não vinte.

Bem melhor do que aleijar a sua perna, caso você tenha aleijado a minha num acidente causado por você.

Para que serviriam, aos olhos do mundo, das religiões e dos deuses, mais dois mancos atravancando o fluxo de pedestres, nas calçadas?


Paulo Wainberg

segunda-feira, 21 de abril de 2008

SUOR DA FELICIDADE

Uma vez, há muitos anos, eu estava num spa em Guarujá, São Paulo.

Queria relaxar, espairecer, me divertir e, casualmente, emagrecer cinco quilos.

Certa manhã, parecida com a de hoje, aqui em Porto Alegre, brilhante como são as manhãs de outono quando o ar parece polvilhado de bilhares de partículas luminosas, o rio assume cor de prata e as árvores choram a cada folha que cai, uma colega de spa lia um livro à beira da piscina, estirada numa chaise-longue.

Escorriam lágrimas pelo seu rosto. Cheguei perto da moça que era adequadamente gordinha para o ambiente e vi, surpreso, que ela estava lendo um livro meu, de crônicas, não lembro se o primeiro ou o segundo, que eu tinha levado de presente para a gerente do spa que era minha amiga e ela pegara emprestado.

A moça olhou para mim e sorriu, os olhos úmidos e as bochechas gordinhas manchadas pelos traços das lágrimas. Perguntei por que ela chorava e ela me respondeu que aquilo não era choro, era o suor da alma. – Suas crônicas estão fazendo minha alma suar, explicou.

Ó orgulho, teu nome é vaidade!

Inflei tanto que recuperei os quilos que já havia perdido e ganhei alguns mais. E não era para menos, não é qualquer escritor que faz a alma de uma mulher suar, eu não conhecia nenhum outro, até então.

E, modestamente falando, ainda não conheço.

De outra parte a moça, cujo nome olvidei, subiu dez andares no patamar da minha consideração: Sensível, bom gosto, acuidade literária, inteligência superior, quase esqueci que ela era gordinha demais para o meu gosto e, aqui entre nós que não sou de fazer fofoca, o rosto também não era lá essas coisas, nada de querer ver na hora de acordar.

Aos mais afoitos esclareço que nada aconteceu, nem a conversa seguiu adiante. Eu me senti tão imenso que não havia espaço para mais ninguém, o mundo era pequeno demais até para mim.Os dias seguintes transcorreram sem incidentes, aprendi a dançar aeróbica, fiz ginástica na piscina, virei um ser à milanesa, untado de óleo e coberto de sal, tomei choques leves no estômago, caminhei quilômetros, derreti como um protoplasma em saunas úmidas, levei surras de folhas aromáticas nas costas, coxas e bunda e devorei refeições gargantuélicas, compostas de folha de alface, ricota, cinco centímetros de filé de peixe, tudo ao saboroso tempero de duas gotas de limão, sobremesas compostas de dois milímetros de gelatina sem gosto e cafezinho com meia gota de adoçante. Na pesagem final eu tinha perdido seis quilos e fui consagrado, no jantar de despedida, quando o cardápio mudou substancialmente com o acréscimo de mais uma folha de alface, como o campeão da perda de peso da semana. Tenho a faixa lá em casa, para provar a glória.

Nunca esqueci a definição da gorducha, que pouco emagreceu sob a tortura, para lágrimas: suor da alma.

Mesmo eu, que não acredito em alma, reconheço que o conceito é lindo e, como quase nunca sou mentiroso e omisso, vou revelar a você, em absoluto sigilo, que ao longo dos anos, muito me valeu o episódio.

Durante os piores momentos de tristeza, de saudades, de abandono, todas as vezes que me olhei no espelho e chorei, nas horas trágicas de perdas e fracassos, ao sentir vergonhas pérfidas de ressacas homéricas e constrangimentos formais, sempre me restou o consolo de saber que, um dia, o que escrevi fez a alma de uma mulher suar, portanto eu não era tão péssimo.

Os anos passaram, muitos para o meu gosto.

Encontrei outros modos de lidar com frustrações, criei anti-virus contra tristezas, larguei aquela de viver com pena de mim mesmo, evitei situações em que pudesse me sentir abandonado, larguei de mão os porres e elaborei consistentes filosofias para sofrer menos com as perdas de pessoas queridas.

Há quem diga que amadureci, mas eu não acho.

Inclusive tenho a pretensão de ter decifrado o desejo que nos aumenta, a partir de certa idade, de voltar a ser jovem, mas isso outro dia eu conto.

Suor da alma, quer coisa mais linda para pensar, numa manhã de sol, em pleno outono? Sem orgulho e sem vaidade?

Você se comove e sua alma sua, o suor escorre de seus olhos, brilhante e salgado e, destilada a emoção, a alma se conforta.

Clarice Lispector já fez suar minha alma só que eu não sabia.

Lya Luft abriu uma cascata de suor em minha alma, com seus poemas vividos, cada verso uma gota de suor da alma dela mesma.

Beethoven arranca toneladas de suor de minha alma, principalmente o segundo movimento da Sétima Sinfonia.

Atualmente a torneira do suor de minha alma está totalmente aberta e acho que vai ficar assim por mais trinta e seis dias.

Suor bom, suor gostoso, suor de alegria, de lavar a alma para que, limpa e satisfeita, ela saiba que jamais deve perder a capacidade de suar .

Muitos me olham e perguntam se estou pegando uma gripe, de tão inchados meus olhos andam, tão ardidos do suor da minha alma. E vai melhorar, sei que vai, serão suores abundantes que temo, quando chegar a hora, não poder controlar, muito menos conter.

Nesta contagem regressiva que já soa interminável, ganho mil emoções novas a cada dia, sensações indescritíveis de empolgação e felicidade a cada hora, devaneios de expectativa e ansiedade a cada minuto.

Maio vai chegar e nele o dia vinte e quatro.

O dia do casamento da minha filha.

Paulo Wainberg

sábado, 19 de abril de 2008

poema - Zemphira


(reprodução de "Zemphira" de Marc Chagall, MoMA, NYC)
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Zemphira


não sei dançar

às vezes
sei um pouco
sei fugir
não sei pertencer a ninguém

todos vêem o vestido
da bailarina de Chagall
ela dança nua
só para mim

seu coração
bate no ventre
um pássaro
nasce dos seus dedos

tenho medo

esqueci de dizer
sei ter medo
sei muito

ela voa
isso eu sei

é uma das poucas coisas que sei

mas não sei
se o véu é de noiva
se são asas de anjo

também não sei
se é sol
se é lua
no canto do quadro

na dúvida
me escondo

fique sabendo
não sei de nada

mas deu uma vontade
de dançar

e sei
você me ensinaria

seria amor
outra coisa que não sei

ou sei
que não quero aprender


AL-Chaer

terça-feira, 15 de abril de 2008

16 – A Dama do Metrô.

Malu tinha visto o filme já a um bom tempo. Lembrou do filme depois que o médico sentenciou a sua ninfomania. Apesar de que a personagem cinematográfica, cleptomaníaco, apresentava uma aversão ao sexo e, ela, Malu, tinha fome de sexo. As duas estavam ligadas portanto, pela mesma causa. Marnie, a personagem do filme – Marnie, confissões de uma ladra – roubava compulsivamente por um trauma de infância, mas só que Malu não sabia que trauma seria esse que a atormentava. O psiquiatra não tinha revelado ainda, talvez por não saber ou, por não querer magoá-la.
O filme em si não era os dos melhores no gênero: suspense. Mas a história conquistara Malu. Sentiu pena da personagem. O que a desagradou foi o desempenho dos atores, não convenceu, a atriz uma loira aguada, sem carisma, o ator um canastrão que fez sucesso por causa de uns filmes de espionagem, e, da plasticidade das imagens, principalmente a imagem final, onde os dois saem da casa de Marnie e, ao fundo, aparecem uns navios falsificados.
Nisso, o trem deu uma freada tirando-a do devaneio. Como estava sentada, coisa que não apreciava muito, viu a sua frente uma braguilha de jeans meio surrada. Ergueu a cabeça e deparou, perspectivamente, um rosto japonês. Sorriu ao lembrar da fama que tinha os japoneses.
- Será que japonês têm mesmo pequeno...?
Decidiu verificar. Por sorte, entrava uma senhora de idade. Malu levantou cedendo o lugar para a senhora e, ao mesmo tempo, bem no ouvido do japonês sussurrou palavras que só o nipônico ouviu.
- No, no, japonês, china sim, china quer rapidinha.
Malu ficou vermelha, envergonhada.
- Oh! chinês burro.
Desceram do trem. Na plataforma ficaram por um bom tempo decidindo o preço. Até o que o chinês concordou com o que ela pedia.
E, no aconchego do quarto, debaixo das cobertas, abraçada ao chinês, sentia-se satisfeita. O danado até que fora bom de cama, reconheceu. Não era daqueles apressados, querendo acabar logo, gozando antes do clímax certo. Não. O china, apesar da calça jeans surrada, camisa parecendo time de futebol, fora de uma delicadeza incrível com ela. Apenas uma coisa a intrigava, por isso perguntou:
- O china, me responde uma coisa?
- Si, china responde o que você quiser.
- Pelo o que eu sei japonês, chinês, coreano são desprovido de pelos, isto é, não são peludos. Eles têm os pêlos nos lugares certos.
- Si, si, chinês não é mesmo peludo.
- Então, como é que você sendo china é peludo? Olha só o seu peito - e demonstrando o que dizia, passou a mão pelo peito peludo do chinês, que se arrepiou todo.
- E que china sempre viu dizer que mulher brasileira gosta de homem peludo.
- Sim, e daí?
- Daí que china toma hormônios para crescer pelos.
- O que?
- É que china toma hormônios pros pelos crescerem.
24.10.06
pastorelli

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O fio que liga a vida ao corpo

O fio que liga a vida ao corpo.


deitar o corpo ao chão
unir à alma

o espírito rasteja e lambe as sombras
e não há sombras
sobras ao fogo

a língua é fogo

tatear o piso frio
buscar as frestas
lugares pra aparar
tuas arestas

deitar o corpo ao chão
purgar a mácula

da língua, o fogo cospe o deletério

se o fio que liga a vida ao corpo é morte
unir o corpo à alma é adultério


Anderson Santos

terça-feira, 8 de abril de 2008

15 – A Dama do Metrô.

Acordou com o braço dormente. Já não sentia o braço por baixo da cabeça do moreno que, dormia com a boca no bico do seu seio. Tentou retirar o braço para não acordá-lo. Começou a puxar, mas o amante se virou para o outro lado e, levou consigo as cobertas, ficando com as costas a mostra. Malu sentiu vontade de acarinhar os músculos morenos até as nádegas. Lascar naquela carne uma mordida gostosa, como tinha visto numa foto.
Nisso, o negro... Não, não deveria chamar de negro, isso é preconceituoso, não é politicamente correto. E como deveria chamar essa massa nua e escura ao seu lado? Gostaria de saber. Como se tivesse lendo sua mente, Malu assustada deparou com o olhar do amante fixado nela através do espelho pendurado na parede. O moreno percebeu o embaraço dela:
- O que foi? – perguntou.
- Não nada.
- Como nada, se você se assustou ao ver que eu estava te admirando, falou virando-se de frente para ela.
- Bem, é que estava pensando como deveria chamá-lo.
- Como assim?
- É que não sei se devo chamá-lo, não se ofenda, por favor, de preto, negro, moreno, enfim, o que é politicamente correto.
- Oh! branca... Pode me chamar do que quiser, não tenho essa frescura que muitos negros tem, não.
- Ainda bem.
- Tanto é que você me chamou de nego... Até disse, vem nego saciar sua branca carente.
- Eu disse isso?
- Disse.
- E quando?
- Quando chegamos os dois ao orgasmo. Até cravou suas unhas em minhas costas, o que achei delicioso.
Envergonhada, sem jeito, deu lhe um beijo ao qual foi retribuída.
Fazia de tudo para não parecer uma prostituta, talvez até fosse, mas não queria que seus amantes pensassem isso dela.
- Escuta, não sou o que você está pensando...
- O branca! Não estou pensando nada, ta. Vou tomar um banho que tenho de trabalhar. Aliás, venha, venha tomar banho comigo, o que acha?
Malu achou a idéia boa. Jogou as cobertas de lado e abraçados entraram no banheiro.
23.10.06
pastorelli

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Para o Antoniel Campos

Na manhã de sol escondido
Caminho meio perdido
Com sentimentos isolados
Sinto-me machucado

Machucado mas aquecido
Percorro ruas esquecido
Silencioso e cansado
Passo noites amargurado

Assim tento te esquecer
Deixei de lamentar a dor
Com outro amor vou viver

Do teu maldito e fútil amor
Vou rapidamente esquecer
Do qual não terei nenhum pudor

- poema inspirado em “Aço de mim”, de Antoniel Campos -


AÇO DE MIM

Recluso em mim mesmo e esquecido,
Assim passei na vida, isolado...
Sentindo-me também "emparedado"
E tendo o peito nunca aquecido...

Não sei por que me quis aparecido...
Não sei por que me fiz tão procurado...
Me ver de corpo aberto, desnudado,
Melhor senhor de mim nunca ter sido...

Assim passei na vida e ainda passo...
Sabendo-me silêncio, me fiz Aço,
E Aço, enfrento as dores que me surgem...

E a Dor maior, tu foste, amor maldito...
Silêncio que eu era me fiz grito...
Do Aço que eu fui me fiz ferrugem...

Antoniel Campos