quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

para Adair Carvalhais Júnior

mergulho nas horas ao longo da avenida afagando segredos
entre os solitários sorrisos preocupados em apenas ser
não encontro-me no lugar das pedras para me satisfazer
encontro-me em lugar nenhum talvez para ser caçado

e adormeço na sombra da morte divina companheira

anoiteço nas horas ao longo da avenida revelando segredos
em noites onde a carne faminta se expõem ao clamor dos desejos
inútil a carne pálida de esgotada vida se extingue ao clarear
do dia cujas horas compridas engole o sêmen desprotegido

pastorelli
31.01.2008



- poema inspirado em “horas compridas”, de Adair Carvalhais Júnior –


horas compridas
entre coisas
tantas sem


sentido não
encontro
lugar


nenhum


adormeço como


anoiteço


dias demasiado
compridos


a carne inútil
mente exposta


a vida esgotada


Adair Carvalhais Júnior

CABLINASIAN

(Para Tiger Woods que também o é)

Sou a mulher que pariu
no sorriso de minha filha
um mundo sintetizado.
Recuso-me à fragilidade chauvinista,
ao carimbo dos passaportes das nações.














Não quero perdões.
Não sou ganês, nem sei falar Tupi
ou jogar xadrez.
Quero descobrir os Achanti
que de meu mal estar se escondem
na minha sala de jantar.





















Sou transatlântica, pacífica, indígena
a moura dos minaretes mediterrânicos,
americana, latina, judia,
brasileira, africana, beduína
em busca da eterna terra sem males Guarani.


Sou Pataxó, Igbo, Azande,
portuguesa, italiana,
cristã-nova com toda certeza
e no altar-tenda estendo
os patuás de meus avós,
sob a luz da menorá encantada.



Durmo na rede, como farinha
pesco o peixe na canoa trançada pelo tata
amasso o trigo, reparto o pão e o vinho.
No sertão benfazejo, quando beijo
rezo ave-maria.
Espero também algum Messias.


Alheia à matiz censitária
recuso-me à classificação
pela concentração de melanina.
Meus olhos negros, cheios de dor e amor
revelam: sou como todas as espécies de flor
apenas parte da grande criação divina.

Frô (25/04/2005)

Bom dia!


Olá, povo!

Eu adorei o rosto do nosso blog. Limpo, discreto, organizado do jeitin que eu acho que tem que ser.
Nada de bagunça onde a gente se perde na página!!!
Parabéns Olegário e Frô, ficou lindo.
Quanto ao nome, eu gosto dos chamativos onde o
leitor se veja compelido a viajar nos links, sabe como é?
Esses títulos impactante...rsss
Exemplos: Fatal Beco sem Saída, Hortelãs, Matusalém Matuska, Ortiga (com 'o'), A Chuva Imóvel.
Tem blog pra todos os gostos, de tudo que é jeito.
Blog promocional, blog cultual, blog culturista, blog satânico. Tem blog até pra recrutar terrorista.
Depois que inventaram Cemiterio Online com velório virtual, nada é impossível, nem mesmo uma second life com tendência a se tornar first life.
Coisa de loko!
Quanto ao nome, considero que o primeiro nome que aparece é o que fica pra sempre: Barraco Poético, como fala a Frô, ou Barraco Literário.
Todo mundo vai se achegando, pegando uma bebidinha, um chazinho ou café e se vai proseando, proseando, até se esquecer da luta diária...

abraço
TF

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Notícias (opinião sobre layout e sugestões de nomes)

Opiniões sobre a nova cara do nosso blog:

As mensagens chegaram a mim, publico-as (e tem mais opiniões nos comentários) :
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Frô

Estou vindo lá do blog dos Poetas Lusofonos - puxa! ningém deu idéia para o nome, nem sei que nome pensar -
mas com a reforma ficou bonito. Parabéns.

Beijos
Osvaldo

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O layout do blog ficou muito bom, frô! 100% funcional, limpo, sem
frescuras. do jeito que deve ser.
abraço a todos!
Erasmo

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Frô, já fui olhar o blog, achei lindo e tudo o mais.
Bjs.

Paulo Waimberg

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O espaço esta lindo, o conteúdo perfeito!!! Parabéns!! É uma bela reunião de poetas:)

bjimm
andrea
http://www.literatus.blogspot.com



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Nomes:

Reencontros, sugerido pela Amélia

Palimpsesto e/ou variações; Justaposts;

Qualquer coisa relativa a Sarandib, serendipity, serendipidade;

Líberos (referência a ibero-americano).

Sei que os nomes não são lá grandes coisas, só estou tentando contribuir. De repente alguém lê uma dessas palavras e dá um "start" numa idéia melhor.

AbraçOle's a todos

Post relacionado: Consulta

abraços
Frô

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

SENTIDOS

ao tropeçar nela

ela sorriu

e

jogou seus longos cabelos

para trás

e

faíscas azuis me penetraram

e

perfume de limoeiro e champanhe

me envolveram

e

a ponta dos seus dedos

tocaram de leve meu rosto

ouço o trompete de Chet Baker

“Let´s get lost”,

e

João Gilberto sussurra

“A garota de Ipanema”

ah, e todos os meus sentidos

bailam,

“quantos sentidos têm?”, pergunto,

“cinco!”, responde,

“e o sexto?”, retruco

ainda sorrindo se afasta:

“ironia e bom humor, faz sentido?”

I.L

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

2 - A Dama do metrô

A Frô pediu para que eu falasse da Dama do metrô, como começou. Bom, todos os dias quando chego ao serviço, antes de começar o expediente, escrevo um bom dia para o pessoal - um grupo de amigos que querem receber o bom dia -, a princípio escrevia sobre coisas que me acontecia durante o trajeto serviço casa e casa serviço.
Uma vez ou outra pensamentos, o que eu achava de algo que me interessava, em fim diversas coisas. Como os acontecimentos foram rareando, isto é, estava me tornando repetitivo, passei a lembrar de fatos antigos, da minha infância, do quartel e por aí afora.
Como também esses fatos foram rareando, isto porque minhas lembranças eram curtas, não estava mais conseguindo lembrar, passei a narrar histórias que no primeiro texto sem que fosse proposital, denominei A Dama do metrô, numa referência à Dama da lotação, do Nelson Rodrigues que, por sua vez, se inspirou no filme A Bela da Tarde.
Não tive, como posso dizer, programado para escrever pequenas história com esse nome, o gozado é que fui donimanado, assim que sentava em frente ao micro, sentia necessidade de escrever, e a história vinha toda em minha mente, mas como tudo tem um fim, A Dama do metrô também chegou ao seu fim, pelo mesmo propósito dos outros textos, cansei e falta de criatividade para continuá-la. Espero que venham a gostar.
Abraço.
Pastorelli
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Suava. Suava frio apesar do calor. O suor escorria por suas costas indo desaguar entre as nádegas. O que aumentava ainda mais o excitamento. Procurava não expressar nenhuma reação, fixava o olhar por cima do ombro dele. O que era meio difícil, pois ele estava muito perto dela, sentia sua respiração quente, picando a pele do pescoço. Parecia que seus dentes brancos e bonitos, levemente mordiscavam sua pele amorenada e doce.


Quando ela entrou no trem, ele já estava lá, virado para a porta por onde ela entrou. Portanto, ela ficou cara a cara com ele. A primeira coisa que ela admirou foi os olhos do rapaz. Uns olhos profundos de melancólica dor, carente de proteção.

Na estação seguinte, foi empurrada contra ele. Seus seios se espremiam contra o peito do rapaz. Nisso sua mão foi conduzida para a braguilha da calça dele. Levou um susto, não esperava tal reação. Claro tinha pensado em algo, criar um clima, uma aventura, mas não assim, tão imediata. Queria algo mais devagar, talvez até romântica. Deixou a mão onde foi colocada.


Seus dedos finos e longos, massageavam a massa mole e quente por cima da calça de brim. O rapaz estava sem cueca, admirou-se:

“Ah! filho da puta já vinha preparado...”

Pelo rabo do olho distinguiu as feições do rapaz. Pensou em falar algo, talvez reclamar da situação, demonstrando assim que não era uma garota fácil, ou, quem sabe, marcar algo, um encontro, trocar um telefone.


Mas nisso, o trem parou, o sinal apitou, as portas se abriram, e o rapaz pediu licença e desceu. Desapontada, ainda viu o rapaz parado na plataforma fazendo um gesto obsceno e jogar um beijo para ela.


No dia seguinte pensou que fosse encontrar com ele novamente, porém, nunca mais o viu.


26.09.06
pastorelli

Tags, meta tags e indexes de sentimentos




Nós, bloggers, temos mais ou menos alguma intimidade com tags, essas palavras-chave que servem para identificar o conteúdo de determinado post — e por conseqüência categorizar, colocando cada coisa em sua devida caixinha.

Acho interessante analisar como vamos atribuindo tags ao longo da vida, não somente para aquilo que escrevemos, mas também para tudo o que vivemos — utilizamos tags para separar "amigos" de "não-amigos", "chato" de "interessante", etc..

Dessa forma, também acabamos por indexar determinadas sensações e sentimentos, inclusive aqueles indizíveis, não exprimíveis com qualquer palavra em idioma humano.

Como, a citar alguns exemplos, se conseguiria nomear a sensação expressa pelo poema O Elefante do Drummond? A do 4º Motivo da Rosa de Cecília? As do Auto-Retrato, A Rua dos Cataventos, Poeminho do Contra de Quintana?

Há algumas semanas senti falta desse poema do Lau: como a maioria de vocês, tenho em mim uma sensação, de certa forma indefinida e intangível, indexada a ele.

Esse poema é a minha tag para algo que tem um quê de tranquilidade do cansaço da luta. Não aquele cansaço covarde, fraco, mas o sentimento de quem, finalmente, percebe que toda a luta é vã e é tolo tentar reter o curso de um rio com as próprias mãos — afinal, eles foram feitos unicamente para fluir.

De vez em quando eu preciso dele. É o meu index para a sensação de quem vive à margem dessa luta insensata observando borboletas ou buscando desenhos nas nuvens, enquanto os outros, os "simples mortais" — essa é minha tag para pessoas que não tem nenhuma sensação indexada a esse poema — morrem afogados, uns agarrados nos pescoços dos outros.

Pois se me perguntassem nesse dia o que havia comigo, certamente teria respondido:

— É que hoje estou me sentindo "aos predadores da utopia"...



Olegario Schmitt

Procura-se: Maurício Rosa de Almeida

Nos diários do Patorelli reencontrei Maurício, por onde anda nosso poeta de Uberlândia, alguém sabe o paradeiro? Nem o big brother google foi capaz de achar pistas....

Fica um gosto de Maurício:

loucura

fugiu-me aquele dom de ver poesia
detrás de cada riso esmaecido,
na indefinição que embrulha o dia,
na proficiência do desconhecido...
com a ilusão perdida foi-se a lira,
o brilho anil do sonho mais querido,
restando a aflição que ao longe mira
um horizonte, roto, carcomido...
vasculho o entardecer do meu desejo
e todo encanto cabe nesse idílio
que chamo de ilusão; a morte assisto
medir-me, louco a infância ainda beijo
pela boca inconsciente do meu filho,
vestindo o amanhã que já não vejo!

Maurício Rosa de Almeida

___________

Anverso

Ao Joeldo Veloso de Holanda

Aberração evolutiva é o que nós somos
se dos trilhões que existiam os insanos
representantes da espécie nos tornamos
mas loucos tristes porque nos digladiamos
por nada e nada que fazemos e pensamos
tem condição de se explicar pela razão...
Basta aliar-se à coerência e recordar:
um certo dia com a falange pretendente
nos debatemos ao acaso e finda a luta
vozes com face e pensamento nos fizemos
vestindo a obrigação de dar contas à vida
dos atos que derramássemos no poente.
Falhamos pois se nos miramos vê-se um bando
de moucos cegos de mazelas salpicados
desmerecendo a augusta escolha do universo
se comportando como deuses sendo ímpios
nos abatendo com a crueza que escondemos...
Às vezes preterindo o plano assim rumino:
"e se ao limbo retornássemos um dia
e paulatinamente víssemos o tempo
sendo reprojetado sobre a existência...
Será que o fundo da consciência doeria?
será que o acaso ainda nos escolheria ?
será, enfim, que a humanidade existiria?"

Mauricio Rosa de Almeida

____________


agnosia

desconhecidas letras sobre o tempo
cerzidas noutro tempo vos dirão:
" luteis com os antigos contratempos
dos vossos ancestrais e quando sós
revolverdes os colmos tereis medo
porque vereis a ilusão nos entrenós...
sabereis pois que sobre o tempo a sombra
de um templo aprouveram construir
para ocultar a cor que intentara
o tempo de vos fazer conhecer..."

Maurício Rosa de Almeida

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ajuste

da cova funda
o tédio espia
o sol que afunda
mansamente
colorindo o arrebol
enquanto isso
o tempo
calmamente
espraia sal
no que restou
da ilusão
que um dia
fomos nós!

Maurício Rosa de Almeida

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apatia

os passos que a manhã furtou de mim
caminham pelo quarto desconexos,
se miram nas agruras descobertos,
se embrulham nas ataduras do fim...
ruminam rastros doutros tempos findos,
promessas fazem à foice do devir,
calçam o tempo qual uma ferradura,
a vida escavam atrás de um porvir...
divagam sem razão e a estrela guia,
o gesto sábio ansioso de encontrar
o vértice ideal que o mundo anseia
fugiu-lhes da razão, jogou-se ao mar
da gris vicissitude que permeia
a ida dos que não irão voltar...

Maurício Rosa de Almeida

______________

Cortesã

A noite dorme neste peito triste

desde o instante que te foste, vi

o sonho antigo se acabar e insiste

a solidão em decretar-me o fim...

Do teu sussurro sinto o acre gosto

da farpa, farsa que nos separou,

se faço verso inconsciente mostro

o fio da adaga que me trespassou:

tua promessa de amor infindo

nos olhos negros cheios de calor;

hoje não tenho teu sorriso é grande

a dor cruel de imaginar-te assim

entre percalços pajeando luas

por ruas calvas das paixão, sem mim!

Maurício Rosa de Almeida

______________


apressa-te!

o tempo urge... e, lá fora,

as crianças contam os antigos dias

longos... enfadonhos...

que contávamos ontem;

bebem as mesmas imagens que sorvíamos quando

o sol nos sorria, luzidio e sábio,

entre as nuvens úmidas!

vem!

deixa que se vejam as sementes santas

que ainda guardas ternamente túrgidas

no teu coração...

e que se misturem com a natureza

o resto de angústia que guardaste em vão!

eu já não procuro entre as pedras sobras,

cacos, velhas sombras, pedaços de nós,

apenas me permito o intante,

os gestos que em versos

distribuo após.

Maurício Rosa de Almeida


domingo, 27 de janeiro de 2008

Conto / Chave de cadeia

No lançamento da Antologia Horizontes, em Santos, em 1999, uma noite inesquecível, foi quando conheci esse pessoal maravilhoso, por isso coloco esse conto - ( conto foi escrito, quando o pessoal de vários cantos do Brasil estava se preparando para ir a Santos para o lançamento da Antologia) -para matar a saudade daquela noite fenomenal.
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Alô... Alô... Al... putz grila... não sei porque o Al tem celular, a bateria tá sempre no zero... e eu aqui, em Santos, depois de vir de TAM até Sampa, tomar outro ônibus da Praia Grande para cá depois que alguém me disse que Praia Grande ficava em Santos e eu acreditei... caramba... será que o Al tá brincando?

-Vamos ver... não... vira aqui motorista... é aquela delegacia lá, tá vendo o aglomerado?
- O Sr. vai lá?
- Vou, por que?
- Sei não, tem um bando de pirados lá. O delegado é meu primo e me ligou morrendo de rir.
- Rir? de quê?
- Sabe, uns malucos chegaram na cidade e no mesmo instante a polícia já tava esperando eles. Os políciais disseram que eles tinham assaltado um banco e um mendigo... só que o cara não era mendigo, era um deputado de Uberlândia que estava dormindo numa praça lá, TubAL Vilela, me parece, depois de ter tomado um goró e resolveu dormir lá mesmo.
- (Meus Deus! É verdade ...) Pode parar aí moço...
- O Sr. é amigo deles?
- Sou. - O Sr. vai me assaltar?
- Não! Que idéia...
- Quanto é?
- Nada não, moço...É de graça. Senão depois o Sr. me põe pra ouvir um tal de Pastorelli que fica cantanto marchinhas o dia inteiro... não, é de graça.
- Tá bom. E como está o Santos?
- Perdeu pro Botafogo. Mas acho que um novo jogador vai resolver.
- Ah é? Compraram quem?
- Um japonês, ou será um macedônio, chamado Leminski.
- (Meu Deus...) Tá jóia... sucesso hem...
- Moço, mais uma coisinha.
- O que é?
- Se quando o Sr. for embora e me vir, não manda eu parar não, tá?
- Tá, colega, tá...

Apalpei os R$4.000,00 reais da penhora do autógrafo do McCartney (ahhhhh... snif...buááááá...), que deixei no bolso, caso me roubassem a carteira e entrei na delegacia. Os outros R$3.000,00 eu consegui com a Mariângela na manhã da viagem com o seguinte argumento:
- Meu bem, são quatro da manhã... sexo ou viajo para Santos?
- Não esquece de levar o pulôver...

Tinha uns sujeitos na porta, alguns fotógrafos que me perguntaram se eu era o Doutor Douglas. Disse que não, que era o Carlão. Um perguntou: veio jogar no Santos? Gargalhada geral... nem liguei. Apenas dei um singelo bico na sua canela e ele disse: aiii... é beque.

Chamei o delegado que veio descascando uma laranja com os dentes.
- Fala.
- Er.. Rãm.. Boa tarde. Vim para pagar a fiança de um pessoal de...
- Ah... os doido.
- Perdão...
- Ora, aquela turba mais esquisita do que convocação de seleção do resto do mundo...
- Como assim, doutor?
- Ocê desse tamanho e é imbecil?
- (Aquela pergunta me fez pensar por um segundo uma série de acontecimentos desde que o Al me ligou daquele celular maldito:
1) Não ia dar para ir para a Antologia Horizontes porque a construtora me cobrou juros absurdos pela obra do meu apto. que era para ser entregue em dezembro de 98;
2) Penhorei meu autógrafo do McCartney que eu havia conseguido no Rio depois de me passar por flamenguista e dar R$200,00 pro porteiro do Copacabana Palace;
3) Meu celular tocou no vôo para São Paulo e quiseram me jogar lá de cima com poltrona e tudo sem sequer ter uma explosão;
4) Fui parar em Praia Grande...
5) Lá estava eu, olhando prum delegado que parecia "viado" pois não tirava os olhos do pacote no meu bolso pensando ser... xá pra lá...) Respondi:
- Sou! sou um grande imbecil!
- Imaginava... é sua turma mesmo...
- Perá lá seu delega... o Sr. não pode ofender assim pessoas que já saíram mais de uma vez no Globo.
- Ah é? Assaltaram tantos mendigos assim?
- Não... não... São poetas, escritores de nome, gente com várias premiações no país e alguns até fora daqui... no Globo saiu o site onde se dão as trocas de poemas.
- Sáite? É uma seita dessas piradas de hoje? Ah... por isso que uma tais de Karina, Márcia e Lilia ficaram me falando uns negoço esquisito.
- Não... não... Mas, posso vê-los? Eles estão bem?
- Sim. Nós os levamos lá pra Vila Belmiro. Sabe como é né... a cadeia tá cheia desde o último jogo contra o Flamengo...
- Vila Belmiro?
- É. Deixamos eles no gramado a céu aberto.
- Por que?
- Óia, tinha uma radialista que não parava de falar. Tinha uma tal de Frô - óia cuidado com essa que às vezes ela acha que é outra pessoa - que fica falando umas besteira de sexo, sexo, urticária... eu hem. Uma senhora chamada... chamada...
- Asta!
- Isto!
- Não, Asta!
- Isto mesmo, eu quero dizer. Fica me dando lição de moral, que a delegacia tá suja, que as janelas estão quebradas, que eu preciso organizar, que isso, que aquilo...
- (Meritíssima...) Sim é essa mesmo.
- E sabe moço, mais uns tantos... cada um mais esquisito que o outro. Tem um menino, bonitão sô (êpa...), chamado Lucas com uma mochila do Mickey, um tal de Dr. Fernando que não parava de perguntar onde fica a Praia Grande (aaahhh!), um alemão, um comendador, uma tal de Pat que só fica gritando: poder para o povo! poder para o povo! Olha tem até um cara que só fala de morte e diarréias na maior naturalidade! Nem quando teve um baile aqui de estivadores do mundo inteiro eu vi tanta gente esquisita.
- Ô seu delegado, pega leve... estivadores? A turma é instruída. São estudantes, profissionais do mais alto gabarito e que fazem da poesia uma ferramenta de protesto e de propagação do amor entre os homens.
- Poesia? Amor entre os homens? Hum... isso é coisa de "viado".

Percebi que argumentar com o homem era impossível. Apressei-me em assinar o alvará de soltura e, após conferir o nome de todos, saí em busca da Vila Belmiro. Notei que não constava o nome do Félix e voltei à delegacia. O delegado parecia que me esperava. Sentadão me disse:
- Sabia que ocê é imbecil mas nem tanto. Vai deixar a turmar aqui mesmo e vazar, não é?
- Não... Não senhor. É que não vi o nome do Sr.Félix.
- Ah... um que disse ter vindo da terra de Camões? Baiano, né? Camões não é aquele cara que fudeu o Banco Econômico? Camões de Sá?
- Não... Não senhor (se não amasse minha turma já tinha enfiado uns três socos naquela pança de cerveja com álcool...) - Camões é um poeta português...
- Ah é? E por acaso eu tenho que aguentar vascaínos aqui? Ele tá no hospício.
- Hospício? mas... por que?
- Ué, o homem disse que vinha do além-mar. Quem vem do além pra mim é fantasma. O homem tava vivo só pude achar ele doido.
- Onde fica o hospício?
- Na Praia Grande...
- (Nâo!!!!!!!!!!) - Saí correndo e ele me pegou pelo braço.
- O Sr. é de onde?
- Er... Eu sou de Goiânia.
- Goiânia? Nossa... por acaso o Sr. não tem aí um autógrafo do Zezé de Camargo e do Luciano?

Paguei a fiança peguei o alvará de soltura e saí o mais rápido possível dali. O mesmo taxista que havia me levado me viu saindo chorando da delegacia, virou o rosto depressa e saiu correndo assoviando o hino do Santos. Peguei outro táxi e rumei para a Vila Belmiro. Lá chegando, vi o Al perto do portão de entrada do campo tentando falar com o capitão que os vigiava. Quando me viu, gritou olhando pra trás:
- Gente, o Carlão chegou!! Eu sabia!!! Eu não disse que ele era meu amigo?
- Mostrei o alvará para o capitão que começou a lê-lo de cabeça para baixo. O ajudei humildemente.
- Solta a turma, vociferou.
O Al me pegou pelo braço, me levou para o meio do campo e me abraçou dizendo:
- Valeu, irmão! valeu!
Nisso o celular dele caiu no chão e eu, no limite dos nervos (que não ganharia uma cerveja COM álcool), dei-lhe uma bicuda que o fez atravessar toda a intermediária, perder peso na entrada da área e tocar de leve no travessão, estufando as redes num golaço inconcebível. Do alto da arquibancada um moleque negrinho viu e gritou:
- Você é o novo reforço do Santos?
- Gritei: Sou! Sou! Onde o time está concentrado?
- Na Praia Grande.
- Ótimo! Então vamos já pra lá. Aproveitamos e resgatamos o Félix!!
Carlos Edu
- (arlã() 20/09/99) -

SANGUE BALCÂNICO (para Frô a historiadora)


Quem vos escreve é alguém que viveu um passado quando ainda havia reis com poderes absolutos, quando Impérios dominavam a Europa, o poderio econômico e bélico subjugava os mais fracos, o Império Austro-Hungaro a beira da decadência, o Império Russo se digladiando com o Império Otomano em via de ser expulso da Europa, os Bálcãs o eterno campo de batalha. Prestem atenção, talvez a imaginação os ajude a entender o Passado, ou seria o Pressente?

Leopold Wolkstein, financista e diplomata de segundo escalão ou talvez mesmo do terceiro, muito ousado em emitir opinião, auto promovido a oráculo, estava sentado numa mesa no café de sua preferência no bulevar Ring da cosmopolita Viena, berço dos Habsburg, lia o Neue Freie Presse (Novo Jornal Independente) e a xícara com café, coroada com creme e o copo de água mineral Karlsbad há pouco trazidos pelo engalanado garçom, estavam a sua frente. Acostumados durante anos, talvez por mais que a vida de um cão, que os garçons engalanados lhe trouxessem o jornal e xícaras com café coroadas com creme e por anos seguidos ele se sentava no mesmo lugar debaixo da empoeirada e empalhada majestosa cabeça de águia que no passado reinara nas montanhas da Bavária e agora tornada monstruosa por ter-lhe sido acrescida uma segunda cabeça, as duas cabeças portando coroas simbolizando o poderio monárquico do Imperador Franz Joseph. Nesse dia Leopold Wolkstein deteve seus olhos apenas no primeiro editorial assinado por um tal Otto Preminger, comentarista da política internacional de renome nacional, e Leopold releu e releu seguidamente, esquecendo-se até do café com creme. O articulista escrevera:

“A fortaleza turca de Kriskova tombou. Os sérvios, segundo fontes oficiais, se apoderaram de Kurkamona... a fortaleza de Kriskova uma vez perdida e Kurkamona tomada pelos sérvios, noticias vindas de Constantinopole assemelham-se a uma tragédia shakespereana sobre reis e imperadores num cenário mediterrâneo...na vizinhança de Adrianopole, ao seu Leste, onde a grande batalha se desenrola, não apenas põe em cheque o futuro da Turquia, como também fortalece a posição e a influencia dos Estados Balcânicos na Europa”.

Por longo tempo, mais longo que a vida de um cão, Leopold Wolkstein pretendia impor seu ponto de vista sobre a política, dispor do tempo de quem quisesse ouvi-lo ou não, aspirar a influenciar na política dos estados balcânicos aos seus superiores e enquanto sorvia o café coroado por creme que garçons engalanados lhe traziam, ele sonhava com um posto numa embaixada imperial.Jamais viajara na direção do Leste nem mais longe que o ultimo subúrbio de Viena, nunca arriscara a enfrentar perigo maior que encontro com uma lebre ou perdiz, contentava-se com sua autonomeação de avaliador, critico e arbitro do poderio militar e futuro político dos pequenos paises que ombreavam o Império na fronteira do Danúbio. Ele desprezava as os pequenos estados, respeitava sem pudor os grandes exércitos e idolatrava riqueza dos poderosos. Acima do cenário dos territórios balcânicos e suas históricas batalhas pela auto-afirmação e escaramuças pela independência reinavam absolutas “As Grandes Potencias” palavras mágicas mais pomposas que a germânica, “Die Grossmachte”.

Idolatrando o poderio e a esmagadora força do dinheiro com a energia igual ao furor uterino de uma mulher de meia idade a beira de um ataque de nervos idolatrava a vitalidade de jovens, o bem nutrido e boa vida Leopold, oráculo do café vienense, zombava das aspirações dos mais fracos e desprezava as ambições dos reinados balcânicos e seus povos, toda vez que se apresentava a ocasião ele despejava piadas, gozos e palavras que soariam melhor nas bocas dos operários expressando seus pensamentos odiosos relativos aos patrões. Turistas ingleses que visitavam as terras balcânicas e relatavam grandes feitos dos Romenos, Búlgaros e do brilhante futuro que os aguardava, assim como oficiais do Imperial Exercito Russo que depois de terem espionado os exércitos desses paises, se viram obrigados a confessar: ”... é algo que deve ser levado em conta com seriedade já que não fomos nós que os treinamos e devemos cumprimentá-los por esse feito”. Mas, debruçado sobre as xícaras de café e entretido durante horas com o jogo de damas, o nosso oráculo se divertia com essas noticias mentirosas e incrédulo movia sua cabeça e despejava sua sabedoria adquirida na ociosidade e no conforto do seu palacete na calçada do bulevar vienense. “As Grandes Potencias”, verdade seja dita, nunca foram bem sucedidas em calar os tambores da guerra; os exércitos do Império Otomano teriam que mostrar seu poderio era intacto e aí os dinheiros e as pomposas ameaças das Potencias se fariam presente pois a ultima palavra, a palavra final teria que ser deles. Leopold em sua fértil imaginação ouvia a marcha pesada dos soldados com o fez vermelho sobre as cabeças e baionetas apontadas ecoando pelos caminhos Balcânicos, via os frágeis pastores vestidos com pele de ovelha se refugiando nos vilarejos, via o majestoso e autoritário porta-voz das Potencias ditando, ajustando, restaurando, recolocando tudo no seu devido lugar e baixando a poeira levantada pelo conflito. Mas, agora ressoavam nos seus ouvidos os tambores da guerra marchando na em direção oposta, ressoava a marcha, o avanço de batalhões mais poderosos e mais afoitos e mais hábeis nas artes guerreiras, fato que nunca imaginara ocorrer; seus olhos o obrigaram a ler nas colunas do jornal com o qual ele se acostumara o editorial aviso às Grandes Potencias. “...elas teriam que assimilar um fato novo, avaliar o que até então fora despercebido, As Grandes Potencias terão muito trabalho em persuadir os Estados Balcânicos de que não lhes é permitido violar o principio de que a Europa não permite estabelecer novas fronteiras ao Leste sem a permissão deles. Mesmo agora, quando a luta ainda não definiu o vencedor, há rumores de um projeto de unificação fiscal a ser estendido aos Paises Balcânicos, e ainda mais, uma união federativa igual a do Império Germânico. Isso talvez seja apenas um ensaio, mas é impossível de não reconhecer-se que os Estados Balcânicos como um todo possuem um poderio militar com o qual as Grandes Potencias terão que se defrontar...os que verteram sangue nos campos de batalha e sacrificaram as vidas de uma geração inteira tentando estabelecer a união dos aparentados e etnicamente irmanados, não mais se submeterão a serem dependentes das Grandes Potencias e nem da Rússia e seguirão seu destino...o sangue vertido até hoje tem a Cor Púrpura Real dos Reis Balcânicos, As Grandes Potencias não poderão fazer vistas grossas ao fato de que um povo que degustou de vitória possa retroceder as antigas fronteiras. A Turquia perdeu grande parte do território Balcânico”.

Leopold Wolkstein bebeu o café, mas o gosto lhe pareceu estranho. Seu mundo, seu pomposo imponente poderoso mundo de repente encolheu. O poderio econômico-financeiro e as grandes ameaças foram, sem cerimônia, afastadas do caminho seu tradicional, uma nova força surgira que ele não conseguia entender, nem sabia como examinar os fatos que demoliram brutalmente suas convicções. Os augustos Cesares de Mammon e do Ares limitaram-se apenas a torcer a cara em desagrado, os combates e aqueles a beira da morte não lhes bateram continência e nunca tiveram a intenção de fazê-lo.

Novos aprendizados, lição inédita, foram impostas aos relutantes alunos, lição que ensina o respeito aos princípios fundamentais de liberdade, os Pequenos Reinados Balcânicos professaram.

Leopold Wolkstein não esperou pelos parceiros do jogo de domino, com certeza eles também devem ter lido no Freie Presse o editorial.E há momentos quando um oráculo mostra sua maior sabedoria e melhor previsão do futuro retirando-se da convivência dos humanos e, sobretudo evitando perguntas impossíveis de responder.

Leopold Wolkstein, terceiro secretário do consulado austríaco em Sofia, sentado num bar no bulevar Ezetan Lazarov, a sua frente uma xícara de café turco não filtrado e um cálice de raquia, fingia ler um jornal cuja língua não entendia.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Algumas notícias e uma consulta

Passados seis dias de vida de nosso blog comemorativo, vários marinheiros aportaram por aqui e alguns estão trabalhando nos bastidores.

Olê, por exemplo, está preparando-nos uma surpresa: um layout novinho em folha para a nossa página de reencontro, eu tô gostando do que vi, Taís também gostou e o Edu que é super clean tá pitacando e ajudando.

A princípio teremos 3 colunas: a da esquerda, reservada para os feeds dos poetas linkados; no centro os posts e, à direita, a lista de "achados e perdidos", sugestão do Edu que adorei.

Antes de fazer a consulta sobre o novo nome do nosso blog, deixa eu tentar explicar os propósitos.

No domingo da saudade, quando criei este blog pensando nos poetas amigos portugueses e brasileiros, lembrei da referência à flor do Lácio, mas o nome que me veio primeiro à mente, não nos faz juz por muitos motivos: é comum demais, corremos o risco de ser confundidos com outros homônimos blogueiros; o blog para além de reunir poetas lusófonos reúne também cronistas e não é qualquer poeta e escritor, mas poetas e escritores de prosa e poesia que têm uma história em comum; nem todos se conhecem, mas a maioria sim, pois vários já conviveram nas dezenas de listas que nasceram e morreram ao longo de uma década; primamos pela diversidade de estilos, pontos de vista, linguagens e isso é o que nos enriquece.

Diante destas características, que nome para o blog que agrega essa diversidade que completa 10, alguns até 11 anos, vocês sugerem? Pensem em algo criativo que contemplem as características do grupo e do momento.

Eu, em minha fase doméstica, só penso em 'puxadinho', barraco poético... especialmente depois que Ivy em uma conversa, fez a feliz menção de 'limpar os pés' para entrar em nosso barraco :)

Sei que alguém criará um nome único e especial, aguardemos sugestões.
beijinhos
Frô

PS. Aos poucos surgem nome de outros poetas, Tatiana e Anderson lembraram de alguns, please, vcs têm a senha, incluam na lista; outros estão com dificuldades técnicas nos mails, outros embora estejam em silêncio ainda são visitantes freqüentes, estamos em 6 dias e não pus o contador no momento que criei, com 554 visitas, quase 100 ao dia :)


sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

PARA FRÔ

eu estava triste, não muito,

mas o bastante pra sentir saudade,

não sabia se era por alguém,

e se por alguém de quem?

não era aquela saudade antiga e gasta,

era aquela que tremula na mente

e não se afasta,

não passa das pontas dos dedos,

e tem também aquela

que te joga desmaiado sobre a cama

e aos poucos se perde no espaço,

mas ainda tem outra que te cerca,

anel ao redor do corpo

de ouro, de aço, de fumaça,

e a fumaça em delicada acrobacia

desenha três letras : FRÔ,

a deusa Afrodite do amor e da beleza,

espuma do mar,

reapareceu e me mandou um beijo,

outro beijo FRÔ!




Na primeira quinzena do mês de Março será lançada mais uma obra minha, desta feita na invicta cidade do Porto. A data será publicitada brevemente pela editora que edita o livro. Vai ter um texto de Francisco Coimbra na badana.

Para qualquer contacto, por favor, remeto-os para a Edium Editores.

Obrigado

José Félix

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Pacto (Fred Matos)

pacto

falemos sobre as pequenas coisas que nos cercam
falemos vagarosamente para que durem
um mínimo instante além do tempo que as fitamos

para as grandes coisas
já dedicamos toda a nossa pressa
e ela não foi capaz de nos dar conforto
nem de solucionar os graves problemas humanos

dediquemos às pequenas coisas um olhar preguiçoso

melhor ainda

façamos um pacto de silêncio enquanto caminhamos
de mãos dadas como Ricardo e Lídia à beira do riacho
onde eu nunca me havia dado conta
dos pés de avenca na sombra amarela do Ipê

façamos um pacto de silêncio para ouvir os pássaros
façamos um pacto de silêncio para ouvir as águas
e os seixos que rolam no seu leito

façamos silêncio para ouvir o vento
façamos silêncio porque as palavras estão gastas
como os seixos que rolam ao sabor das circunstâncias.

Fred Matos
Feb 26, 2005

Uma antiga para o Félix (que como o Marco) gostava dessa crônica

CIRANDA

Fia era linda: morena alta, portentosa, senhora de respeito. Usava uns colares que lhe davam ainda mais dignidade. As más línguas não cansavam de apontá-la na rua e virarem-lhe as costas. Ela não dava a mínima e respondia sempre com um sonoro: Bom dia, fulana! Boa tarde, sicrana! Depois cuspia e tragava seu inseparável companheiro e continuava seu caminho. Eu acho que todos tinham inveja da sua imensa popularidade e da disponibilidade que ela tinha para conosco.


Sua casa, muito grande, estava sempre ajeitada e meu olfato registrava: era a mais perfumada de todas. O odor do chão brilhante e das panelas ariadas só perdia para o cheiro das jabuticabas. Quando o fruteiro passava, ela gritava: seu Zé quanto está a bacia? Nós parávamos tudo que estávamos fazendo, porque sabíamos o que nos aguardava.


Nossas mães, apesar de serem amigas de Fia, sempre a repreendiam. Mas de nada adiantava brigar com ela... As mães não aprendiam nunca e sempre se repetia a mesma ladainha: "Fia de novo? É hora do almoço, as crianças vão perder a fome!"


Ela (para a nossa felicidade) nem dava bola, apenas sorria e preparava a festa: bacia brilhando, cheia de água que fazia as jabuticabas fresquinhas boiarem.

Fazíamos uma roda em volta para saborear aquelas maravilhas.


Ela não comia, nunca vi Fia comendo.... Mas ficava sempre na roda, jogando conversa fora. Perguntava como cada um estava na escola, por que a Jane estava triste, o que tinha acontecido com a perna do Carlinhos, por que Hamilton e Marcos estavam com a cara amarrada. Olhava para mim e comparava meus olhos à jabuticaba. Brigava com o Guto, seu filho e meu amor secreto.


Fia era assim, uma mãe sem os defeitos de fábrica. Com sua delicadeza conseguia arrancar de nós segredos incríveis. Quantos problemas impossíveis não solucionei nessas rodas de terapia em grupo?


O marido de Fia, Sr. Hélio, mudou de emprego e carregou minha adorável terapeuta para bem longe. No começo eu demorei a acostumar. Olhava o vazio enorme que restou, naquela disposição de cinco casas em que todos os fundos davam para um terreno abandonado. Ali era meu mundo, as mães pegavam abóbora para o almoço e os filhos se revezavam no trecho cimentado: meninas jogavam amarelinha, meninos transformavam o cimento liso numa pista pra carrinhos de rolimã.


Vez por outra eu perguntava para minha mãe como andava Fia. Minha mãe dizia que ela estava bem e ríamos recordando suas peripécias. Gostávamos de lembrar de suas travessuras, nessas horas minha saudade aumentava. Evitávamos falar dos momentos em que Fia sofria: ela era alcoólatra e não admitia.


Quando estava ébria parecia possuída, perdia a doçura das jabuticabas, subia na mesa, largava a casa, quebrava as coisas e falava um monte de palavrão.


Mas, mesmo neste estado, não abandonava o carinho pelas crianças, nunca nos feria, nunca. Nem ao Guto que se enervava e tinha uma enorme vergonha nessas horas.... Vergonha que tomava conta de Fia quando ficava sóbria. Uma vez a vi chorando, porque tinha se dado conta dos sentimentos do Guto.


Eu, aos doze anos, tinha presenciado duas bebedeiras que- mais tarde- soube que eram muito freqüentes.


Aos dezesseis, recebemos um telegrama do Sr. Hélio. Minha mãe chorou e pediu que nos apressássemos.


Quando chegamos, a primeira pessoa que vi foi Guto. Ele era o mais velho entre nós e o caçula de Fia. Lembrei-me do quanto ele não gostava de se misturar com a "molecada" como pejorativamente nos apelidou. Enquanto minha mãe e meu pai cumprimentavam a família, fiquei parada, observando-o.


O menino intransigente havia se transformado num belo homem. Chorava muito. Eu tinha vontade de me aproximar, mas detesto a cor roxa, detesto essas flores sem perfume e essa madeira preta lustrosa. Guto, por sua vez, não saía dali, não largava as mãos de Fia.


Fiz um esforço incomensurável, caminhei até ele e vi minha encantadora vizinha muito feia. Feia como nunca eu a havia visto, nem quando estava cheia de cachaça, fazendo pirraça para todos que queriam abrandar seu vexame. Até nessas horas ela não perdia seus encantos. Mas ali, sem seus colares, com um vestido sem cores e sem decote, sem o batom vermelho encarnado, não parecia a minha terapeuta.


Nesse milésimo de segundo, achei que ela sorriu, como sempre fazia com seu olhar cúmplice nas rodas de jabuticabas. Guto me olhou e, por um instante, acho que me compreendeu: nesse dia, meus olhos de jabuticaba não podiam vê-lo, não podiam consolá-lo. Saí correndo e atravessei a porta de vidro da funerária. Do meu dente tirei uma lasquinha que nunca consertei.


Quando como jabuticabas, sinto as sementes tocarem meu dente quebrado e me recordo do cheiro do chão que Fia mantinha impecavelmente encerado. Lembro-me do instante que Guto me viu e eu não podia diminuir a sua dor. Lembro de colares lindos que encantavam meus olhos de jabuticaba. Revejo um círculo onde foi cimentado a minha infância ao lado de Fia.


Nessas horas, ela sempre vem me visitar, escancarando seu sorriso cúmplice, anunciando seu bem estar com a vida, apesar dos pesares...


Frô, 1999 (a propósito, Fia era negra e para entender essa informação, clique aqui).

UMA TARDE

ela faz questão de me levar pro chuveiro

depois de me esgotar na cama e entre as suas pernas,

e eu reluto por que ela gosta da água fria,

não nasci na Suíça,

mas ela insiste, eu desisto, seu rosto é belo e moreno

como eu gosto,

seu corpo é café com leite, mais leite,

como eu gosto

e debaixo da água fria ela se deleita com meu pinto encolhido,

e eu com seus mamilos tamanho família,

o sabão escorre e corre safado das suas costas

e caminha pela sua bunda e eu com o dedo nela me afundo,

ela ri, eu rio,

a espuma se espalha pelas suas pernas abertas,

tento acender um fogo na Patagonia,

começo pelo beijo, encontro neve fria,

ela ri, eu xingo, ela ri de novo,

outro beijo, ela sai, se enrola na toalha

e canta enquanto eu ligo a água quente e resolvo meu problema,

e abençôo o prazer do sexo,

saio do chuveiro,

a tarde é quieta, silenciosa e enquanto nos vestimos

falamos sobre o nosso futuro,

concluímos que estar juntos resolve tudo

mesmo que mulher pense diferente do homem,

e pra mim é a gloria saborear esse instante de harmonia,

deixar pra trás as dores e derrotas e dissabores,

e quando se tentar se livra delas aconselho,

faça – o com calma e leveza,

faça – o parecer como se a morte te surpreendeu

dormindo e relaxado na cama

em vez de te pegar desprevenido,acordado e amando,

e eu a olho, bela e morena,

como eu gosto

IOSIF YEHUDA ben ELIN

Afinidade

Na minha sanha detetivesca de reencontrar velhos amigos escrivinhadores que fiz ao longo de 11 anos de rede, ontem foi a vez do Caio Martins.


Caio foi, como Carlos Seabra do antigo Anel de poesia, um contato que nasceu pela poesia: ambos encontraram algum poema da Frô ou dos trocentos heterônimos (quem lembra dessa fase a la Pessoa) e foi daí que passamos a prosear. Durante muitos anos correspondemo-nos, mas mesmo morando tão próximo (ele vive em São Caetano), nunca conseguimos nos encontrar...


É, a rede tem desse tipo de amizade 'nunca te vi sempre te amei', tão perto, tão longe.


Bem, mandei um mail para um antiquiquíssimo endereço que tinha dele no meu antiquiquíssimo Plaxo e não é que era o mesmo!


Dele recebo a menção à Afinidade, numa enxuta e significativa mensagem:


" Frô!

De vez em quando, tem seriado de tsunami na vida da gente, podem durar alguns anos. E às vezes esquecemos que, mais que sobreviver, temos de viver. Um dia, aprendo.


Mas, há um poema do Arthur da Távola, " Afinidade", capaz de descortinar por que, apesar do tempo, seguimos papeando do ponto em que paramos. Dias a mais, ou a menos, no fundo pouca coisa tem sentido sem ela.


O resto, é o tempo eternamente roendo a corda.

Abração.

Caio."



Passo a entender, o porquê das permanências, o porquê desse blog ser tão especial e tão necessário e acho que Afinidade sintetiza bem a razão de existir do Poetas Lusofonos...


Segue o texto de Távola para relembrarmos:




Afinidade
(Arthur da Távola)

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos. É o mais independente.

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades. Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto no exato ponto em que foi interrompido.

Afinidade é não haver tempo mediando a vida. É uma vitória do adivinhado sobre o real. Do subjetivo para o objetivo. Do permanente sobre o passageiro. Do básico sobre o superficial.

Ter afinidade é muito raro. Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar. Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas. O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar palavras. É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir com. Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo. Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado. Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo. É olhar e perceber. É mais calar do que falar, ou, quando é falar, jamais explicar: apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por. Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo. Mas quem sente com, avalia sem se contaminar. Compreende sem ocupar o lugar do outro. Aceita para poder questionar. Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças. É conversar no silêncio, tanto nas possibilidades exercidas quanto das impossibilidade vividas.

Afinidade é retomar a relação no ponto em que parou sem lamentar o tempo de separação. Porque tempo e separação nunca existiram. Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar. E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais a expressão do outro sob a forma ampliada do eu individual aprimorado.


beijos
Frô

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A Dama do Metrô

Caros e queridos amigos. Um abraço a todos. Estou muito contente com tudo isso. Queria colocar aqui uma série de textos que denominei A Dama do Metrô. Se não gostarem, por favor, digam que não colocarei. Um abraço para todos.
______________________________________________

A Dama do Metrô.

Não estava atrasada. Tinha de vantagem umas duas horas mais ou menos, porém não podia fazer corpo mole, não podia ficar esperando um metrô vazio, o primeiro que viesse teria que tomar.
A plataforma como sempre estava cheia. Não teve dificuldade para entrar. Ficou prensada entre uma moça e um homem grande, barrigudo na sua frente que a olhou maliciosamente. Não deu pelota para ele.
Na Sé conseguiu pegar um vazio. Ao seu lado estava um rapaz, de terno e gravata, feições atraentes, e o que mais chamou sua atenção foi os lábios, vermelho, parecendo batom. Contraiu os músculos num pequeno sorrir ao pensar maliciosamente. “Será que lá é tão vermelho assim como é os seus lábios?”
Nisso, sem que percebesse, ficaram um de frente para outro. Não tinha como mudar de posição. Sentiu uma forte atração pelo rapaz. Aproveitando o balanço do trem, se aproximou mais, quase sentia a respiração quente. Controlou-se juntando sua audácia na palma da mão fechada, pois ela já estava roçando a braguilha da calça azul marinho bem passada. Uma quentura subiu por sua espinha. Não queria se enfiar numa aventura, já tivera muita nessas mesmas condições. Entre suas amigas ganhara até um apelido por causa disso: A Dama Do Metrô. Olhou mais uma vez nos olhos azuis do rapaz, e mentalmente jogou um beijo e desceu na próxima estação.

21.09.06
pastorelli

A Arte de traduzir poesia


Fernando Pessoa


Um poema é uma impressão intelectualizada, ou uma idéia convertida em emoção, comunicada a outros por meio de um ritmo. este ritmo é duplo num só como os aspectos côncavo e convexo do mesmo arco: é constituído por um ritmo verbal ou musical e por um ritmo visual ou de imagem que lhe correspeonde internamente. A tradução de um poema deve, portanto, conformar-se absolutamente a idéia ou emoção que o constitui, ao ritmo verbal em que essa idéia ou emoção é expressa; deve conformar-se em relação ao ritmo interno ou visual, aderindo as próprias imagens quando possa, mas aderindo sempre ao tipo de imagem.
1.

o teu silêncio

Tens no teu silêncio
o segredo da comunicação

é por isso que os gestos
dizem da textura das palavras incomunicáveis

a árvore é uma frase feita
no teu corpo de seiva fresca
e os dedos, as mãos, os braços
limpam o espaço na mais leve brisa.

2.

a face de deus

Tenho a face de deus na minha face
e o meu sorriso continua a ter
a abertura apolínea dos crisântemos

na fragilidade do sol a sombra
de deus desaparece.

3.

a voz das pedras

Eu percebo a voz das pedras
e sei do silêncio das plantas
de como elas se dobram
ao sopro dos meus lábios
lúdicas como a contagem de estrelas

Na iluminação dos olhos
as pedras brincam nos dedos
como deuses presos na sua forma.

josé félix in à sombra da amendoeira

nota: t.s. eliot em 1932[The criticism of poetry and the use of criticism] disse: "A experiência da poesia, tal como outra experiência, só é parcialmente traduzível em palavras; nunca é aquilo que o poema diz, o que interessa; mas o que ele é.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Palavreando a Vida

Desde ontem fiquei com vontade de mostrar a vocês uns escritos de um grande amigo.
Amigo que conheci nos idos de 1998 de um modo casual, em que a Teia teve muito a ver com o fato.

Ele escrevia pra uma revista eletrônica publicada no antigo ZAZ., onde, por acaso, li um texto chamado Oito Segundos...

Eu fiquei tão zangada que de imediato enviei um e-mail agressivo, malcriado para o autor, que intuía ter feito a barbárie que contava no texto.

Não esperava nenhuma resposta, mas na mesma noite recebi um e-mail igualmente malcriado. E foi assim com malcriadeza que começamos a nos corresponder, primeiro por e-mail particular, depois pelo icq e através dos grupos.

Grande pescador, tivemos grandes discussões a respeito. A bem a verdade continuo sem saber distinguir um dourado de um tucunaré, que pra mim é tudo peixe e deveriam ficar nas águas nadando...Nada de pesca por diversão. Nem preciso dizer que isso o tirava do sério.

Wilson Morais, pessoa incrível, amigo, irmão, verdadeiro, de quem tenho muita saudade....

beijo
Taís


Taís: Os folgados
Tuesday, April 15, 2003 7:53


Cara Taís:
Tô por aqui, amoitado, como sempre devo
estar. Mas corujando. Ando na voragem, sem espaço em minha agenda de
sem-que-fazer. Arrumei tanta coisa pra não fazer, que não me sobra tempo pra mais nada.
Gostei de suas observações sobre esse negócio de não dar mais pra
gente ir ao cinema, por causa dos folgados, do senducacionismo que impera
pela aí em fora. Isso vem do berço, neguinho devia aprender em casa, e os
pais é que são os mais culpados nessa história, pois que não impõem limites
aos rebentos, deixam-nos achar que o mundo gira em torno deles.
E a coisa não tende a melhorar. Esse comportamento espaçoso se espalha por
toda parte. É no cinema, na escola, no trânsito, no supermercado, na rua,
enfim. E já se notam gerações mais maduras com esse deplorável defeito de
fabricação. A sucessão vai ser cada vez pior, é claro.
É por essas e outras que eu fico entocado em minha caverna. Eu não suporto
gente folgada, eu penso em dar tiros, me vem um gosto de sangue na boca,
meus ancestrais carroceiros e paraibunais rebrotam e eu não me contenho não.
Então eu evito aglomerações.
Dia desses, por engano, entrei num supermercado em que havia uma liquidação.
Vigimaria! Levei bundada de tudo que é gorda que havia, levei cotovelada,
fui xingado. Aquilo era pior que Bagdá! Feras enlouquecidas!
Eu sobrevivi porque felizmente apliquei uns golpes bem
colocados numa gorda e consegui sair do rolo usando um carrinho como
escudo. Senão, minha amiga, não tava aqui pra contar a história! Deus me livre!
Nunca mais!
Mas me lembro duma cena exemplar acontecida aqui no Bar do Pinga. Neguinho
que não era habitué do pedaço chegou voluntarioso, tava passando jogo na
tevê. Ele se sentou confortável, esticou uma perna por sobre outra cadeira e
sem nem olhar gritou:
-Ô meu, me traz aí uma cerva, supergelada e rapidinho!
O Bar do Pinga é um lugar meio ruim pra saúde de
nego folgado, reduto de gente braba, que convive numa paz quando muito de
Oriente Médio, cada um na sua, e deixa viver ou morrer. Caso contrário, a
jiripoca pia mesmo.
Claro, de vez quando, estoura um tiro, uma facada, um arranca-rabo, mas
coisa que se controla, um e outro morto mensal, algum ferido grave. Mas tudo
tá dentro da média estatítisca nacional.
O Pinga é a paciência escrita, a calma, no seu jeito de Ghandi. Desses que
engana a gente. Foi atender o freguês.
-Pois não?
-Tá surdo, meu? Já pedi cerva, vá buscar!
Eu conheço o Pinga de longa data, e sei que quando ele pisca duro
alguma coisa vai pegar feio. Eu fiquei pronto prum revira, que vinha
coisa. O Pinga respicou umas três vezes, o povo já se pôs de lado, deixando o
jogo na tevê. Aquilo foi silêncio de pegar com a mão, tensão de pênalti em
final de segundo tempo em jogo empatado.
-O cavalheiro poderia me fazer
uma gentileza? - disse o Pinga com seu jeito indiano.
-Quié, meu? Vá buscar a cerva!
-Poderia tirar sua pata de minha cadeira e enfiar ela na
BUCETA de sua mãe?
E já foi pegando o fulano pelo cangote e jogando na
rua. O povo só assistindo, aquilo tava atrapalhando o jogo. Alguém
tomasse providência, ou todo mundo batia no cara.
É, com o Pinga não tinha meio termo, não. Ele era assim, arrancado o pino,
explodia, feito granada de mão.
O cara bateu o pó das calças e se mandou ligeiro, sumiu de olho
arregalado, nunca mais seria visto no pedaço.
Pinga, enfadado, a balançar cabeça, resmungando:
- Ah! educação! É o que falta a essa
juventude.... Aqui tudo é gente fina, e eu faço questão de preservar assim.
E o movimento voltou ao que era, como se nada houvesse.

Abraço
Wilson