segunda-feira, 28 de julho de 2008

O meu e o pneumotórax do Bandeira

"Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.
..........................................................................
- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o
[pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."



Esse poema de Manuel Bandeira sempre me angustiou. Bandeira aos 14, 15 anos traduzia a Ciropédia diretamente do grego... eu conheci pneumotórax de Bandeira lá pelos 14, 15 anos com os primeiros professores de literatura do que hoje é o ensino médio.

Devido à minha leitura desse poema sempre achei que pneumotórax fosse um tratamento, uma solução que deveriam ter tentado para sanarem o terrível sofrimento de Bandeira e sua relação com seus pulmões. Sofria por Bandeira não poder ter sido tratado como desejava, por sua crença em achar que sempre morreria jovem e seu medo imenso diante da vida. Jamais associei o título engraçado do poema de Bandeira a uma doença dos pulmões, mais especificamente, na pleura.

Pois bem, dia 22 de julho, terça-feira, internei-me em um hospital para realizar uma histerectomia total por videolaparoscopia cujo procedimento necessita de anestesia geral. Assim, que o processo anestésico foi iniciado enchi como um balão de ar: peito, tórax, pescoço, rosto... Acordei com uma sensação de afogamento terrível e por mais que puxasse o ar, este não era capaz de encher os meus pulmões.

Não sei se devido ao fato de fumar (vício que, aviso aos amigos, custe-me o que custar, foi cessado após este episódio), não sei se devido ao processo anestésico (estou com muitas dores na laringe, faringe, falo com uma enorme rouquidão como os mafiosos dos filmes holywoodianos), mas o fato é que um cirurgião de tórax teve de incursionar um dreno ao longo do meu peito para drenar ar e líquido acumulados no meu pulmão direito. Fiquei três dias na UTI, saí sábado à noite e estou sendo medicada. Volto ao médico dia 5 para novas avaliações. Até lá muita cama e drogas pesadas, sem sexo e nem rock and roll.

Não quero falar das dores físicas nem emocionais recentes. Estou muito manteiga derretida e um simples 'olá' de todos que amo me emociona.

Sempre soube que somos muito provisórios, poeira boba nessa estratosfera. Mas fiquei pensando que seria chato demais não conviver mais com todos aqueles que amo, não ter o direito de ver minha filhota crescer e amadurecer, ou de dizer ao cabeça dura do meu foco de afetos que não sou tresloucada e que ele de fato é especial e isso não tem nada de idealização.

Fiquei pensando se de fato como disse em A cozinha de minha avó "a partida é sempre uma meia morte..." Creio que não. As partidas podem ter retornos, a morte não. Ela é inexorável, absoluta.


Viver é bom, tive medo de morrer sim, pois ainda não vivi as coisas que creio mereça viver. Isso não tem nada a ver com iates, mansãos, viagens caras, vida nababesca, mas também não tem relação com a bobeira lair ribeiriana de "Ah! se eu pudesse viver mais iria andar mais descalço " e toda a infindável e irritante bobageira que circula travestida de pseudo auto-ajuda pela rede. Eu não gosto de andar descalça e acho que sei valorizar o que deve ser valorizado.

Esqueçam, vocês sabem que não creio em milagres, que minha religiosidade anda arisca, que acredito em mim, em você, em nós, na força do povo (se este quer e se faz povo).

Não. Também não caí no outro extremo dos céticos e cínicos, ao estilo do fantástico Remy de "Les Invasions barbares". Aqueles que me conhecem também sabem que não sei ser cínica, apesar de admirar toda a boa e refinada ironia, matéria-prima do bom cinismo, sou péssima dissimuladora e para alguns até mesmo uma figura ingênua, doce.

Não me arrependo de nada que fiz e quero ter tempo de fazer mais da minha vida com as pessoas que amo, puro egoísmo mesmo. Pretendo viver todas as boas emoções que me cabem neste cadinho chamado existência. Vou fazer o possível naquilo que posso administrar dela para que seja plena de ar para ser sorvido na boa corrida, nos suspiros de prazer e tesão, no palpitar das boas surpresas, em todos os abraços apertados que puder dar quando esta dor insuportável for embora. Assim, bem pragmática, com ou sem tango argentino comunico, aos amigos e amores, que continuo viva.

30 – A Dama do Metrô.



Selene se aborrecia. Quantas vezes tivera de contar o que lhe acontecerá e, quantas já dissera que não se importava, que estava tudo bem, que não queria saber quem fora ou por que fora. Fisicamente nada lhe acontecera, e, também reconhecia, que interiormente estava tudo bem. Então porque as pessoas têm que ficar fuçando o alheio. Querendo saber isso e aquilo? Seu chefe por exemplo. Queria por que queria que ela lhe dissesse como fora cair numa armadilha dessas? Que se fosse com ele colocaria os culpados na cadeia ou, então, processava por danos físicos e morais. Não sabia todos os detalhes, dizia, para não se comprometer mais ainda.

Enquanto tomava o café na lanchonete do prédio, viu Aureliano e Malu entrarem. Ali estavam os culpados, falou seu intimo, os culpados que revelaram a ela uma parte que ela não conhecia. Quanto a isso poderia dizer até que era grata a eles, colocaram a flor da pele o escondido, o sórdido prazer de ser levada a se satisfazer com o mistério, com o perigoso, com a fantasia roçando o abismo do prazer. Sabia que a partir daquele dia em diante, se reconhecia outra pessoa. Se dissesse que estava contente consigo mesma, ninguém acreditaria, a julgariam louca, que precisava de psiquiatra. Talvez até estivesse, mas era uma loucura saudável, com uma pitada de masoquismo. Terminou seu café, colocou a xícara no balcão e passou rente aos dois, e, sorrindo cumprimentou:

- Olá, como vão os dois. Vendo vocês dois juntos até parecem que estão de namoro.

Viu no olhar o assombro dos dois. Malu e Aureliano realmente não esperavam tal atitude dela, mas também não podiam deixar que Selene suspeitasse deles, por isso, com um sorriso desconcertante, retribuíram o cumprimento da melhor maneira possível. Caso Selene desconfiasse deles, não veria toda sorridente cumprimentá-los. Concluíram então que Selene nada suspeitava deles. Sorriram um para outro satisfeito. No entanto Selene tinha certeza, principalmente depois do seu cumprimento ao vê-los surpreso com sua audácia.

- Realmente foram eles e, não os culpo, quiseram vingança, conseguiram, mas quem saiu ganhando foi eu e não eles. Eles vão continuar na mesma vidinha fútil de sempre, enquanto eu ganhei com a descoberta de mim mesmo, com a descoberta do meu interior.

Rodou a enorme cadeira e descortinou a sua frente, a cidade, a enorme cidade que, do vigésimo segundo andar, dava a ela uma ampla visão de edifícios e mais edifícios. Gostava da cidade, gostava de vê-la aos seus pés, dando-lhe o poder que não tinha. Fazendo-a se sentir superior humilhando quem a humilhava. Levando a mente num ponto de equilíbrio relaxado, começou a retroceder o pensamento até os acontecimentos fatídico que revelou a ela uma outra mulher.

23.11.06
pastorelli

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Loucura

Quando te vi
pela primeira vez
- meus olhos
começaram a existir

: arranquei-os
pra enxergar melhor.

wilson guanais

domingo, 20 de julho de 2008

29 – A Dama do Metrô.


Não adianta gritar mais, pensou. Ninguém me ouvira, disse para si mesma. Apesar de estar com a boca meio amordaçada, Selene sentia o pescoço dolorido de tanto virar a cabeça de um lado para outro. Sonolenta, os braços adormecidos, as pernas bambas, conseguia ainda ter alguma noção. Há quanto tempo estava ali? Não sabia. Com os olhos vendados e a boca amordaçada pouca coisa dava para perceber. Das coxas notava um líquido que escorria. Fora estuprada, pensou ao reavivar um pouco a mente. Sim, foi isso, estuprada.

Completamente nua, amarrada na cama, pelo menos parecia ser uma cama, com os pulsos e os tornozelos amarrados, sem conseguir se mexer, sentiu o peso de um corpo penetrando-a, a principio lentamente, depois com violência que chegava as raias da loucura. Ao mesmo tempo uma boca macia de lábios suaves, úmidos roçava seu rosto, seus lábios, pescoço, seios sussurrando palavras desconexas que a fazia se sentir excitada. Sua mente num marasmo de lucidez e sombras, se esforçava para não perder os sentidos. Mas havia momentos que Selene apagava e ela era tragada pela desconhecido torpor. Num instante de lucidez, percebeu que fora virada de bruços e estava sendo penetrada, mas que estranho, não era por homem, e, sim por mulher. Travesti? Não isso não, tentou gritar. Foi então que sentiu um pênis de borracha levando-a gozar mais uma vez.
Uma aragem fina, arrepiou sua pele. Estava com frio. Tentou se cobrir mas não achou nada. Numa lucidez instantânea, Selene notou que estava deitada em algo gelado, parecendo cimento. Seria calçada? Um banco de praça? Não teve tempo em responder. Caiu novamente na sonolência do sono.
Acordou com um bafo quente e fedido em seu pescoço. Empurrou a cara barbuda que espetava seus seios nus. Conseguiu sair debaixo de um corpo magro, nu, fedido, molambento. A cabeça doía. Como fora parar ali, no meio da praça, nua, ao lado de um mendigo que nunca vira, abraçado a ela e também nu? Meus Deus, o maldito do mendigo transara com ela aproveitando que estava desacordada. Chorando desesperadamente, se ajoelhou ao lado do mendigo que, assustado não sabia o que fazer.
Tempos depois, se perguntavam, porque não quisera dar queixa, não sabia o que dizer, isto é, sabia sim, mas não queria quebrar o prazer, pois apesar de ter reconhecido o fato como uma vingança bem feita, e, o pior sabia quem fora o autor, ou autores, ela tinha gostado.
21.11.06
pastorelli

quarta-feira, 16 de julho de 2008

etílico
maurício rosa

evito que me vejas quando a lua
vomita o desjejum na pradaria
porque na face trago a marca fria
da noite mal dormida e passaria
a impressão de arder em sofrimento...
confesso, as olheiras evidentes,
o cabisbaixo olhar no chão fincado
e a angústia amarga que estás vendo
não se traduzem por amor rompido
carência, solidão, saudade, olvido,
é que exagerei no vinho e visto
a dor de ter me excedido, amigo.
perdoa se faltei ao compromisso:
amanhã darei vida ao corpo antigo!

sábado, 12 de julho de 2008

28 – A Dama do Metrô.


Malu olhou pela janela. Plena primavera, chovia, a temperatura estava baixa, parecia inverno. Como poderia dar o troco? E por que queria ela castigar Selene? Não sabia, eram perguntas que lhe surgiam aleatoriamente não significando nada. Apenas achava injusto o que Selene fizera. Como Andreus, o diretor não lhe dera retorno, resolveu almoçar. Pegou a bolsa e se dirigiu ao elevador. Qual não foi sua surpresa ao ver Aureliano.
- Ola, tudo bem?
- O que você acha?
- Que está tudo bem.
- E como pode estar tudo bem com o que me aconteceu?
- Bom, isso é algo que passará e, um dia, você lembrará como uma piada.
- É fácil falar. Não foi com você que aconteceu, não é?
Disse meio grosseiramente e desceu do elevador em passos largos. Se tivesse agido de outra maneira talvez nada teria acontecido como aconteceu. Mas o que fazer quando as ações tomam conta do ser sem pensar nas conseqüências? Agora se achava na obrigação em dar apoio a Aureliano e levantar a moral dele. Bom no momento nada poderia fazer, a não ser, almoçar. Entrou no restaurante e, achou estranho ao ver Aureliano almoçando sozinho numa mesa de canto. Fez seu prato e se dirigiu a onde ele estava.
- Posso me sentar com você?
- Até parece que tem só esse lugar, disse ríspido olhando para os lados.
- Preciso falar com você.
- Ah! é. Ou está me seguindo?
- Escuta, você tomou “Boa Noite Cinderela”, falou rapidamente e sentou sem esperar a permissão dele.
- O que?
- É, “Boa Noite Cinderela”, nunca ouviu falar?
- Sim, já ouvi, mas pensei que fosse boato.
- E eu sei quem te deu.
- Você é lógico.
- Não, claro que não.
- Então como você explica de eu estar nu no estacionamento sem saber o que tinha acontecido?
- Eu garanto que não fui, apenas queria uma aventura com você.
- Conheço sua fama, me falaram dela.
- Eu sei do boato que corre sobre mim. Por isso tomei todas as precauções possíveis para não ser pega em flagrante. Afinal, tenho que manter o mistério sobre mim. Sem um boato que lhe faça a fama, você desaparece, será um ninguém. Entende?
- Não entendo e, nem quero entender.
- Foi a Selene.
- O que? A Selene. Por que você acha que foi ela?
- Depois que sai, deixei você se arrumando no banheiro, vi um vulto entrando e, pela aparência era ela. Viu quando entramos e estava apenas esperando eu sair para dar o bote.
- E por que ela faria isso?
- Vingança.
- Vingança?
- É, vingança por ter tirado você dos braços dela.
- E como sabe disso.
- Bom, não dá para explicar, mas uma mulher sabe o que a outra tem em mente quando o assunto é homem.
- Obrigado, isso me deixa lisonjeado.
- Ela entrou, deu Boa Noite Cinderela e se aproveitou de você.
- Agora você está me chamando de otário, é?
- Não, não estou, você não estava em condições nenhuma de reagir. Estava mais para passivo do que ativo.
- Mas você gostou, disse olhando-a direto nos olhos.
- Claro, se não estaria aqui me preocupando com você.
- Bom... Não sei se devo falar... Mas é...
- Diga...
- Promete guardar segredo?
- Segredo, se é segredo para o seu bem até que posso, mas lembre se é segredo por que me contar?
- É que quero, como você sabe quem foi que me fez isso...
- Acho que só estou querendo levantar a tua moral.
- Ok, agradeço, mas escuta.
- Pode dizer.
- Lembro de todos os detalhes da nossa... Bem, você sabe...
- Da nossa transa, diga logo, não fique com rodeios.
- Está bem, da nossa transa. E posso lhe dizer que gostei muito.
- Então quer dizer que fingiu estar completamente bêbado.
- Sim e não, isto é, estava bêbado, mas não tanto que pudesse perder a memória. E quando você me deixou, fiquei um tempo parado curtindo todo aquele momento. E foi aí que a Selene entrou.
- O que?
- E posso te garantir que ela não estava com nenhum copo na mão.
- E por que você não revelou esse detalhe.
- Por dois motivos: primeiro, revelaria sua presença e, segundo, não queria passar por bobo ou idiota, sei lá o que. Entende?
- Entendo. Então como e quando ela lhe deu a bebida?
- Talvez, no momento em que me distrai, pois estivemos sentados à mesa, não lembra?
- Lembro. Então só pode ser nesse momento.
- E só fui me apagar quando ela entrou no banheiro, porque depois disso não lembro, realmente de mais nada.
- E o que você vai fazer a respeito.
- Do que?
- Disso tudo.
- Não sei, talvez nada.
- Não vai se vingar da Selene?
- Não sei...


16.11.06
pastorelli

sexta-feira, 11 de julho de 2008

sem título

nem só de luares um bardo precisa.
às vezes de cantos sofreres e odores
carece e de sonhos e vagos amores
da saga mundana que a dor finaliza!
de acasos e brisas também que o ofício
costura silêncios num plano irreal
os vãos do poeta dormitam no vício
e seus desenganos o elevam ao Céu!
açoites e risos misturam se o verso
vazio se torna, distante ou banal:
a cruz alimenta seu rio e empresta
saber aos dizeres do velho ancestral:
“além dos quereres humanos a força
senhora do mundo se assenta no caos!”.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Plenitude

meu corpo
procura
o seu

seu corpo
procura
o meu

: Nós
somos um
no outro

os dois
endereços
de Tudo.

wilson guanais

domingo, 6 de julho de 2008

27 – A Dama do Metrô.

Ao ser inquirido, Aureliano respondia:

- Não sei o que aconteceu. A última coisa que me lembro é de estar dançando, depois não lembro de mais nada.
Malu se sentia segura. Aureliano não a mencionava. Mas o que teria então acontecido? Deixara Aureliano se vestindo ao sair do banheiro feminino. Pensativa enquanto tomava o seu café matinal, começou a analisar todos os detalhes daquela noite. Já que não era mencionada, porque deveria ela se preocupar com isso? É que achava estranho, pois Aureliano não apresentava estar totalmente alcoolizado a ponto de não saber o que lhe acontecerá. Fora até impetuoso demais, fogoso a ponto de satisfazê-la plenamente. Pensava até repetir a dose. Sentira e, em sua pele, ainda estava marcada pelos beijos e carinhos de quem sabia o que estava fazendo. Portando se acontecerá alguma coisa foi depois que ela o deixou. Mas o que acontecera?
Malu levantou-se, pegou os papéis e dirigiu-se a sala do diretor. Queria mostrar, melhor dizendo sugerir o tema para uma nova campanha e, quem sabe, pudesse usar Aureliano como modelo.
Nisso, um pouco antes de chegar à sala, cruzou com a secretária do diretor que a encarou com um olhar duro e misterioso.
- Bom dia, Malu.
- Bom dia, Serig... Selene.
Quase a chamou de sirigaita! Porque? Lembrou. Ela dançara com Aureliano. Sim, mas até aí nada de mais . Foi então que num clique, lembrou de um detalhe que não dera importância no momento. Tinha notado um vulto, ou sombra, escondida esperando que ela saísse do banheiro. Fora ela, Selene que aproveitou se vingar por ser deixada no meio salão, por ser trocada pela Malu.
14.11.06
pastorelli

poesia visual - mar







sábado, 5 de julho de 2008

Lau Siqueira entrevista Mário Quintana

Caros amigos,
Descobri esta preciosidade agorinha mesmo.

Eu não a conhecia, talvez alguns de vocês também desconheçam, por isso resolvi postar aqui.
Esse belo encontro já vai comemorar 20 anos!
Retirei do belo site de Soares Feitosa, claro, O Jornal de poesia. Enjoy!
PS. Lau eu copydesquei a versão que havia no Feitosa corrigindo alguns erros de digitação, beijinhos, Frô.

Mário Quintana


Entrevista concedida ao Lau Siqueira e à Joana Belarmino em 16 de janeiro de 1987.

"Caros amigos, em janeiro de 87, eu minha ex-mulher, jornalista e hoje professora do Curso de do Curso de Comunicação da UFPB, estávamos em Porto Alegre visitando minha família e resolvemos entrevistar o poeta Mário Quintana que acabava de completar 80 anos.

A entrevista foi publicada pelo Jornal O Norte, no dia 25 de janeiro de 1987. Aquele momento, inegavelmente, foi um dos mais belos da minha vida. Além da entrevista, gozamos momentos de extrema amabilidade por parte do poeta. Segue aí a entrevista, na íntegra. Desculpem os prováveis erros, já que a emoção se renova. A revisão fica, pois, por conta de cada um. Minha intenção é, apenas, repartir essa exclusividade. Certamente que há muito de ingenuidade em alguma perguntas, mas, inegavelmente há uma riqueza na espontaneidade e na inteligência de respostas reveladoras que valem a leitura. Nosso objetivo não era construir um "quase ensaio" (como alguns panacas metidos) onde os entrevistadores fossem as grandes estrelas diante de um "entrevistado suporte", mas, apenas "bater um papo" descontraído com um dos mais originais poetas da Literatura de Língua Portuguesa. Bom proveito. Penso que temos aqui uma relíquia.

Há braços!

Lau Siqueira


A ABL virou um depósito de ministros


Aos 80 anos, o poeta está mais avesso à Academia

No verão, a cidade de Porto Alegre vai nos envolvendo aos poucos, com suas galerias, seus trombadinhas altivos... Às três da tarde, a Rua da Praia ferve de gente. Na praça da Alfândega, protestantes com seus discursos inflamados e um cego tocando música nativa em sua gaita, disputam ouvidos indiferentes. Cinco da tarde, o sol ficou mais fresco. Em alguma calçada da rua barulhenta, um velhinho caminha seu passo lento. Parece distraído, parece ausente, mas... ele é todo atenção aos ruídos, aos cheiros de pêssegos maduros e de jornais... aos sotaques dos turistas argentinos, uruguaios ou nordestinos.

E se alguém o surpreende de olhos fechados e comenta: "É o Mário Quintana, como está velhinho"... não percebe que ele está se lembrando de outra cidade, a Porto Alegre de sessenta, quarenta, oitenta anos atrás, tão mais calma, com suas carrocinhas de leite nas portas.

Dedicamos uma semana de nossas férias à Porto Alegre, quando voltávamos da fronteira, mas, não tivemos a oportunidade de surpreender o poeta em um de seus passeios. Fomos encontrá-lo no dia 16 de janeiro, no hotel onde reside: Porto Alegre Residence. Munidos de gravador e com as emoções todas saindo pelos poros, subimos ao oitavo andar e pressionamos a cigarra do 805.

Mário tem secretária. Ela disse que teríamos apenas meia hora para conversar com o poeta. Ele nos chamou para o seu quarto e pediu cafés.

É alegre e simples. Já não ouve muito bem, mas, pudemos constatar que ao longo desses anos todos, vividos quase que exclusivamente para a poesia, sua lucidez e um senso de humor incomparável se mantém inalterados.

Naquela meia hora alongada por vontade do poeta, sob os protestos da sua secretária, falou-se de poesia, de velhice, de Academia... entre muitas risadas de dois deslumbrados entrevistadores e de um menino, um velho, um sábio... sabemos lá!!!

Houve um tempo em que Mário Quintana ficou sem ter onde morar. Foi quando o expulsaram do hotel Magestic, no centro de Porto Alegre. Foi despejado, uma vez que o jornal onde trabalhava (Correio do Povo) tinha ido à falência. O poeta saiu e o hotel se transformou, ironicamente, na famosa "Casa de Cultura Mário Quintana".

Às vezes, com sua voz trêmula, ele faz pausas para se lembrar de palavras, coordenar frases. A gente tem a impressão que está se gastando em poesia. Poesia que ainda escreve diariamente, como se tivesse pressa, ou como se quisesse aprender sempre.

"Eu sou um eterno aprendiz de poeta e nunca soube fazer outra coisa na vida... No quarto ano do colégio, eu fui reprovado porque só estudava Português, Francês e História. O resto eu nem abria. Então meu pai me fez trabalhar na sua farmácia como prático. Depois de cinco anos fui fazer o que mais queria, trabalhar como jornalista no Jornal O Estado do Rio Grande".

E Mário fugia de tudo para perseguir a poesia. Publicou seu primeiro livro aos 34 anos, apesar de fazer versos desde menino. Desde então tem mantido a média de dois ou mais livros por ano. Este ano deverá publicar: "Da preguiça como método de trabalho" e "Preparativos para viagens".

Acabamos a entrevista, os papos se alongaram... já íamos sair quando o poeta nos mostrou um segredo: um painel de fotografias de Bruna Lombardi na porta do seu quarto (lado de dentro, lógico!). Confessou que não fica muito à vontade quando lhe pedem, freqüentemente, para falar de sua relação com a atriz: "Que coisa chata, como é que eu vou explicar uma amizade? Acho também que a amizade é um tipo de amor que não acaba nunca".


P - Existe alguma pergunta que os jornalistas sempre fazem e que você considera chata?

R - Não. O que existe é uma pedida chata. Há pessoas que dizem, por exemplo: "Seu Mário, faz uma dedicatória bem poética pra mim... Olha, o que eles entendem por poética me deixa horrorizado.

P - Quando foi que a poesia entrou na sua vida?

R - Eu comecei a fazer versos desde que me entendi por gente. Eu acho que ser poeta não é uma maneira de escrever, é uma maneira de ser. Assim, como nascem pessoas de olhos azuis ou pretos, nascem também os poetas. Mas eu só publiquei mesmo o meu primeiro livro muito mais tarde. Os poetas novos tem ânsia de publicar logo, eles deveriam esperar ficar mais amadurecidos pela vida, não é? E assim, iriam amadurecendo também o seu instrumento, que são as palavras. O poeta quando mais velho tem tendência de ficar melhor, com o estilo mais depurado. Viveu mais, não é?

P - Você acha que Mário Quintana já está pronto, é um bom poeta?

R - Olha, eu sou um eterno aprendiz. Porque o poeta que descobre uma fórmula, ganha renome, não quer outra vida, e fica conversando com os amigos sentado em cima do muro sem se espetar, esse está perdido, porque eu acho que a poesia não é mais que a procura da poesia, como acho que também Deus se resume na procura de Deus. Eu publiquei meu primeiro livro aos 34 anos. Foi "A Rua dos Cataventos".

P - O que você acha da velhice?

R - eu acho que é uma pena. Só que eu queria ter nascido 40 anos antes, e não oitenta anos antes (risos). Tudo isso eu já vivi, sabe? Quando o diabo me chamar eu já estou pronto.

P - Você já viveu oitenta anos. O que é que mudou em Porto Alegre desse período pra cá?

R - Olha, naturalmente o que mudou foi a arquitetura, não é? Eu vejo sempre uma cidade dentro da outra e lembro aquela cidade antiga. Mas pra me lembrar dela eu tenho que fechar os olhos (risos). Porto Alegre, antigamente, era muito mais calma. Não havia tantos assaltos, tanta violência... eu nasci no tempo das vacas gordas. Antes, o leiteiro deixava o leite na porta de casa e ninguém roubava. Hoje roubam até as galinhas dos despachos. Os tempos mudaram, os costumes, mas a vida continua a mesma. Eu não sou como aqueles velhos que dizem: "Ah, os bons velhos tempos..." eu tenho vontade de dizer para eles: "Olha seu moço... seu moço, não, seu velho. Os tempos são sempre bons, o senhor é que não presta mais... (risos).

P - Você continua a escrever poesia com freqüência? Publicará algum livro este ano?

R - Olha, eu não sei fazer outra coisa na vida. Este ano vou publicar dois livros: Um diário poético, com pensamentos sobre cada dia. No dia universal da mulher, por exemplo, eu escrevi o seguinte: " De cada dois gambás - eu não sei se na Paraíba se usa a palavra gambá para se definir um bêbado - um é porque não tem mulher e o outro é porque tem. (risos).

P - Já se tentou três vezes colocar o seu nome na Academia Brasileira de Letras e não se conseguiu. Qual é, agora, a sua relação com a Academia?

R - As minhas relações com a Academia foram sempre boas, eu sempre me dei com gente de lá. Não estou dizendo que "as uvas estão verdes", mas, na verdade eu nunca quis pertencer à Academia. O pessoal de mentalidade futebolística não se satisfazia com apenas um nome gaúcho no time e achavam que devia ter outro lá. Resolveram me candidatar. Quando me candidataram da primeira vez, eu recebi o recado de um senador, que estava tudo preparado para entrar o Portela, os votos já estavam prontos e que eu deveria desistir... e eu disse para ele, por telefone, que não haveria de desistir porque o pessoal iria pensar que era covardia minha. E seria muita desconsideração de minha parte. Aliás, eu não gosto de Academia e jamais quis pertencer a ela porque a gente perde um tempo enorme recebendo visitantes estrangeiros de valor muito suspeito. Se pensa que ser estrangeiro é grande coisa, que se francês ou inglês é uma raridade e não é bem assim. Depois, na Academia, se começa a discutir quem vai ser o sucessor de quem, se recebe impressões de toda a parte para se votar e eu acho que isso atrapalha a vida do camarada, não é? Eu acho que ultimamente a Academia virou um depósito de ministros e com o perdão de alguns amigos que eu tenho lá, um asilo de velhos. Mas eu não tenho nada contra a Academia. De fato não há contradição minha em lamentar que não tenha sido eleito porque eu tensionava fazer tudo pela academia, se fosse eleito. Acho que, antes de tudo, ela deveria ter muita gente jovem. Eu acho que já seria uma renovação e acabava com aquela coisa. Na academia, já não gostaram muito de mim porque dois anos antes da minha candidatura eu tinha dito que a Academia era uma espécie de sociedade recreativa e funerária (risos).

P - Como é o dia-a-dia de Mário Quintana?

R - Bem, eu acordo de manhã, vivo de dia e durmo de noite. Não tem nada de especial. Eu escrevo, ando, visito amigos...

P - Mário, cita dois ou três poetas brasileiros que você considera bons.

R - Olha, eu não gosto de citar. Eu só citarei um para evitar, depois, emissões inadvertidas ou divertidas. Eu citarei o Carlos Drummond de Andrade que é um dos poetas mais complexos do nosso País.

P - Mário, você fala muito do amor nos seus poemas. Mas, você não se casou, não teve filhos. Como explica isso?

R - Talvez porque não tenha tido tempo. Eu andei muito. Antes eu trabalhava em Alegrete, cidade onde nasci. Ali fui prático de farmácia. Mas quando estava esquentando uma coisa eu mudava para outra. No quarto ano do colégio eu fui reprovado porque só estudava Português, Francês e História. O resto eu nem abria e um dia meu pai disse: "Olha, você não quer estudar. É uma pena, mas, vagabundo não te quero. Vais trabalhar na minha farmácia. " E eu fui prático de farmácia por cinco anos. Depois quando ele faleceu, eu fui fazer a única coisa que eu gostava: fui trabalhar de jornalista no Estado do Rio Grande. Quando as coisas estavam esquentando de novo o Governador mandou fechar o Estado do Rio Grande. Era o Flores da Cunha. Ele era um velho caudilho (risos). Aí fui trabalhar na Gazeta de Notícias, no Rio. Isso em 1936. Estive lá dois anos e aí fui trabalhar na Livraria do Globo. E sempre andando de um lado para o outro. E aí não tive tempo. Como é que vou saber porque é que não casei. Deve ter sido por causa dos astros, né? Vamos culpar os astros (risos).

P - (Joana) - Casou com a poesia?

P - (Lau) - Não, a poesia não é um casamento. É um caso, não é?

R - Ah... a poesia é um caso mesmo!

P - Quantos livros você traduziu?

R - Eu traduzi para a Livraria do Globo, cento e trinta e oito livros. No tempo em que eu era criança, o francês era moda e a minha mãe era professora de francês. Então, quando a gente, por exemplo, não queria que os empregados soubessem o que a gente estava dizendo, aí se falava em francês. Grande parte da revolução de 23, por exemplo, foi preparada em francês, porque se reuniam as senhoras dos oficiais para tomarem chá e comunicavam as coisas todas em francês. Imagine que na minha terra, em Alegrete, se fez revolução em francês. Que barbaridade! Naquele tempo as comunicações com a Europa eram bem mais fáceis que hoje. A França era a capital literária do mundo. Eu, quando estava na farmácia do velho, tinha conta numa livraria francesa. Eles mandavam os boletins e eu encomendava. Tudo vinha direto de Paris para Alegrete.

P - Que recado você vai mandar para os paraibanos?

R - Ah, eu quase fui morar na Paraíba. Porque eu servi na revolução de trinta e quando houve aquela batalha de Itararé (que não houve) eu estava na cidade de Rio Branco, no norte do Paraná. Aí se chegou a um acordo e o tenente, que era da Paraíba, me ofereceu o cargo de tenente-contador. Mas eu disse pra ele que não pretendia ser soldado, nem prosseguir no serviço militar porque preferia voltar para o Sul. Isso aí por um lado foi bom, não é? Porque depois houve um golpe na Paraíba, imagine, eu poderia ter morrido... (risos)






Um poema de Mário:


Os antigos retratos de parede
Não conseguem ficar longo tempo abstratos.
Às vezes os seus olhos te fixam, obstinados
Porque eles nunca se desumanizaram de todo.
Jamais te voltas para trás de repente.
Não, não olhes agora!
O remédio é cantares cantigas loucas e sem fim...
Sem fim e sem sentido.
Dessas que a gente inventava para enganar a
Solidão dos caminhos sem lua.

(do livro "Esconderijos do Tempo
- composto após os 70 anos de idade)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

remanso
mauricio rosa

sem ti
as manhãs escorrem como cordilheiras
deslizando esguias rumo ao seu final
e eu não poderia desmontar desejos,
macular sorrisos, desdizer o Mal,
porque ontem enquanto te esperava qual
um mendigo ansioso aguarda pelo pão
descobri que à foz o rio peregrino
junto com o corpo entregará o sal.

Sem título

quando as mãos se abrirem
a água correrá nos desertos
clareando horizontes.

Helena Monteiro - Lisboa, 3 de Junho de 2008




quinta-feira, 3 de julho de 2008

poema - biodegradável


biodegradável


corações quebram
como vidros

se não quebrassem
seriam de plástico

é preciso muito tempo
para decompor o amor de plástico

é preciso muito mais tempo
para decompor o amor de vidro

não adianta o coração
vir em alumínio

quem usaria um amor reciclado

não
não me venha com a idéia
de um coração de madeira
certificada
por reflorestamento legal

não há como certificar um coração

todo coração tem vocação para incendiário
queima primeiro por dentro
e cada peito em cinzas
só aumenta as estatísticas de devastação

o coração
tinha que ser de papel

que se dane a consciência ecológica

de manhã
na papelaria da esquina
compro muito lápis
compro muita borracha
compro muito apontador

à noite
nas calçadas

amassado

compro até amor


AL-Chaer

Gênese (Rubens Pesenti)

Gênese

meu
lado
branco
é breu
obs
curo
eu
ropeu

valery
torquemada
renascença
cruzadas

sobre
vive
doente
e triste
sobre
o lado
negro
que
resiste

Rubens Pesenti

MANDAMENTOS (Rubens Pesenti)

quarta-feira, 2 de julho de 2008

à la Bandeira
mauricio rosa

aquilo ali na calçada
embrulhado no jornal
cheirando a náusea e desprezo
vivendo às custas do céu
há algum tempo não come
fuma
xinga
bebe
dorme (?)
atrapalha o transeunte
cospe mágoas no bornal
aguarda o último bonde
que destino levou...

é o retrato do mal...
negro pedaço de nós!

Dísticos

somos
essa Festa
de hormônios
e desejos

todas
as Palavras
do mundo
em ebulição

dois uni/
Versos
cantando
o Instante

para
que ninguém
jamais
esqueça

: o Futuro.

wilson guanais
A chave
© mauricio rosa 2008

Confesso que poderia
Dar guarida a outros ventos
Permitir-me desalentos
Sem medo de me perder
Mas resolvi ser prudente
Medir o compartimento
Do meu querer sem saber
Que da existência somente
Um naco o homem vê
O resto se esconde entre
O porvir e o entardecer
nas lantejoulas douradas
que o poeta chama de sonhos
e o profeta de porquês.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Quilombo (Rubens Pesenti)


Esta maravilha de poema visual (no tema, título, forma e conteúdo) foi me dedicada pelo poeta e amigo Rubens Pesenti.

Um verdadeiro presente que a gente só recebe de amigos muito queridos.

Nesta categoria de poeta dos bons e que ainda dedicam seu poemas maravilhosos aos amigos estão: Fred Matos, Maurício Rosa, Luiz Carlos Oliveira, Rubens...


Tenho a sorte de tê-los.
Que bom!
simetria
© mauricio rosa 2008

de pardos saberes enche o ser a vida
amontoa planos sobre a terra fria
e quando soçobra descobre que ávida
foi a esperança descartada ainda
sob a opacidade dos primeiros dias...
de angústia se molha porque poderia
conhecer-se mais, à luz dar guarida,
aplainar rancores, confessar pesares,
peneirar os prantos ou curar feridas
mas tornou-se presa de suas medidas!
do homem é o tempo e suas mazelas
seus feitos e ditos, sofreres, bonança
e do Caos Eterno a foice que espanta
do sábio que vela ao servo que planta.