domingo, 27 de janeiro de 2008

SANGUE BALCÂNICO (para Frô a historiadora)


Quem vos escreve é alguém que viveu um passado quando ainda havia reis com poderes absolutos, quando Impérios dominavam a Europa, o poderio econômico e bélico subjugava os mais fracos, o Império Austro-Hungaro a beira da decadência, o Império Russo se digladiando com o Império Otomano em via de ser expulso da Europa, os Bálcãs o eterno campo de batalha. Prestem atenção, talvez a imaginação os ajude a entender o Passado, ou seria o Pressente?

Leopold Wolkstein, financista e diplomata de segundo escalão ou talvez mesmo do terceiro, muito ousado em emitir opinião, auto promovido a oráculo, estava sentado numa mesa no café de sua preferência no bulevar Ring da cosmopolita Viena, berço dos Habsburg, lia o Neue Freie Presse (Novo Jornal Independente) e a xícara com café, coroada com creme e o copo de água mineral Karlsbad há pouco trazidos pelo engalanado garçom, estavam a sua frente. Acostumados durante anos, talvez por mais que a vida de um cão, que os garçons engalanados lhe trouxessem o jornal e xícaras com café coroadas com creme e por anos seguidos ele se sentava no mesmo lugar debaixo da empoeirada e empalhada majestosa cabeça de águia que no passado reinara nas montanhas da Bavária e agora tornada monstruosa por ter-lhe sido acrescida uma segunda cabeça, as duas cabeças portando coroas simbolizando o poderio monárquico do Imperador Franz Joseph. Nesse dia Leopold Wolkstein deteve seus olhos apenas no primeiro editorial assinado por um tal Otto Preminger, comentarista da política internacional de renome nacional, e Leopold releu e releu seguidamente, esquecendo-se até do café com creme. O articulista escrevera:

“A fortaleza turca de Kriskova tombou. Os sérvios, segundo fontes oficiais, se apoderaram de Kurkamona... a fortaleza de Kriskova uma vez perdida e Kurkamona tomada pelos sérvios, noticias vindas de Constantinopole assemelham-se a uma tragédia shakespereana sobre reis e imperadores num cenário mediterrâneo...na vizinhança de Adrianopole, ao seu Leste, onde a grande batalha se desenrola, não apenas põe em cheque o futuro da Turquia, como também fortalece a posição e a influencia dos Estados Balcânicos na Europa”.

Por longo tempo, mais longo que a vida de um cão, Leopold Wolkstein pretendia impor seu ponto de vista sobre a política, dispor do tempo de quem quisesse ouvi-lo ou não, aspirar a influenciar na política dos estados balcânicos aos seus superiores e enquanto sorvia o café coroado por creme que garçons engalanados lhe traziam, ele sonhava com um posto numa embaixada imperial.Jamais viajara na direção do Leste nem mais longe que o ultimo subúrbio de Viena, nunca arriscara a enfrentar perigo maior que encontro com uma lebre ou perdiz, contentava-se com sua autonomeação de avaliador, critico e arbitro do poderio militar e futuro político dos pequenos paises que ombreavam o Império na fronteira do Danúbio. Ele desprezava as os pequenos estados, respeitava sem pudor os grandes exércitos e idolatrava riqueza dos poderosos. Acima do cenário dos territórios balcânicos e suas históricas batalhas pela auto-afirmação e escaramuças pela independência reinavam absolutas “As Grandes Potencias” palavras mágicas mais pomposas que a germânica, “Die Grossmachte”.

Idolatrando o poderio e a esmagadora força do dinheiro com a energia igual ao furor uterino de uma mulher de meia idade a beira de um ataque de nervos idolatrava a vitalidade de jovens, o bem nutrido e boa vida Leopold, oráculo do café vienense, zombava das aspirações dos mais fracos e desprezava as ambições dos reinados balcânicos e seus povos, toda vez que se apresentava a ocasião ele despejava piadas, gozos e palavras que soariam melhor nas bocas dos operários expressando seus pensamentos odiosos relativos aos patrões. Turistas ingleses que visitavam as terras balcânicas e relatavam grandes feitos dos Romenos, Búlgaros e do brilhante futuro que os aguardava, assim como oficiais do Imperial Exercito Russo que depois de terem espionado os exércitos desses paises, se viram obrigados a confessar: ”... é algo que deve ser levado em conta com seriedade já que não fomos nós que os treinamos e devemos cumprimentá-los por esse feito”. Mas, debruçado sobre as xícaras de café e entretido durante horas com o jogo de damas, o nosso oráculo se divertia com essas noticias mentirosas e incrédulo movia sua cabeça e despejava sua sabedoria adquirida na ociosidade e no conforto do seu palacete na calçada do bulevar vienense. “As Grandes Potencias”, verdade seja dita, nunca foram bem sucedidas em calar os tambores da guerra; os exércitos do Império Otomano teriam que mostrar seu poderio era intacto e aí os dinheiros e as pomposas ameaças das Potencias se fariam presente pois a ultima palavra, a palavra final teria que ser deles. Leopold em sua fértil imaginação ouvia a marcha pesada dos soldados com o fez vermelho sobre as cabeças e baionetas apontadas ecoando pelos caminhos Balcânicos, via os frágeis pastores vestidos com pele de ovelha se refugiando nos vilarejos, via o majestoso e autoritário porta-voz das Potencias ditando, ajustando, restaurando, recolocando tudo no seu devido lugar e baixando a poeira levantada pelo conflito. Mas, agora ressoavam nos seus ouvidos os tambores da guerra marchando na em direção oposta, ressoava a marcha, o avanço de batalhões mais poderosos e mais afoitos e mais hábeis nas artes guerreiras, fato que nunca imaginara ocorrer; seus olhos o obrigaram a ler nas colunas do jornal com o qual ele se acostumara o editorial aviso às Grandes Potencias. “...elas teriam que assimilar um fato novo, avaliar o que até então fora despercebido, As Grandes Potencias terão muito trabalho em persuadir os Estados Balcânicos de que não lhes é permitido violar o principio de que a Europa não permite estabelecer novas fronteiras ao Leste sem a permissão deles. Mesmo agora, quando a luta ainda não definiu o vencedor, há rumores de um projeto de unificação fiscal a ser estendido aos Paises Balcânicos, e ainda mais, uma união federativa igual a do Império Germânico. Isso talvez seja apenas um ensaio, mas é impossível de não reconhecer-se que os Estados Balcânicos como um todo possuem um poderio militar com o qual as Grandes Potencias terão que se defrontar...os que verteram sangue nos campos de batalha e sacrificaram as vidas de uma geração inteira tentando estabelecer a união dos aparentados e etnicamente irmanados, não mais se submeterão a serem dependentes das Grandes Potencias e nem da Rússia e seguirão seu destino...o sangue vertido até hoje tem a Cor Púrpura Real dos Reis Balcânicos, As Grandes Potencias não poderão fazer vistas grossas ao fato de que um povo que degustou de vitória possa retroceder as antigas fronteiras. A Turquia perdeu grande parte do território Balcânico”.

Leopold Wolkstein bebeu o café, mas o gosto lhe pareceu estranho. Seu mundo, seu pomposo imponente poderoso mundo de repente encolheu. O poderio econômico-financeiro e as grandes ameaças foram, sem cerimônia, afastadas do caminho seu tradicional, uma nova força surgira que ele não conseguia entender, nem sabia como examinar os fatos que demoliram brutalmente suas convicções. Os augustos Cesares de Mammon e do Ares limitaram-se apenas a torcer a cara em desagrado, os combates e aqueles a beira da morte não lhes bateram continência e nunca tiveram a intenção de fazê-lo.

Novos aprendizados, lição inédita, foram impostas aos relutantes alunos, lição que ensina o respeito aos princípios fundamentais de liberdade, os Pequenos Reinados Balcânicos professaram.

Leopold Wolkstein não esperou pelos parceiros do jogo de domino, com certeza eles também devem ter lido no Freie Presse o editorial.E há momentos quando um oráculo mostra sua maior sabedoria e melhor previsão do futuro retirando-se da convivência dos humanos e, sobretudo evitando perguntas impossíveis de responder.

Leopold Wolkstein, terceiro secretário do consulado austríaco em Sofia, sentado num bar no bulevar Ezetan Lazarov, a sua frente uma xícara de café turco não filtrado e um cálice de raquia, fingia ler um jornal cuja língua não entendia.

Um comentário:

Ler o Mundo História disse...

Notícias frescas da memória deixada em Bucareste...
Nossa, vou precisar de fôlego pra ler e absorver.
Sabia que temos aqui, ainda desaparecida uma poeta ucraniana?
beijinhos