quinta-feira, 26 de novembro de 2009

68 – A Dama do Metrô.





Arrastando os pés, caminhava procurando a lentidão das sombras nas marquises dos edifícios humanos.

De vez em quando tropeçava num corpo dormindo ao relento da madrugada enrolada em cobertores sujos ou em papéis ou caixas de papelão.

Roçava a pele na friagem quando entrou no terminal de ônibus. Dirigiu-se ao clichê e pediu decidida.

- Por favor, uma passagem para São Paulo.

Sua mão tremia de frio no excitamento. Sentiu-se totalmente segura quando o ônibus saiu da cidade.

Olhou pela janela o véu escuro da madrugada. Uma vez ou outra surgia um ponto luminoso na distancia inundando o momento a invadir seu ser em liberdade.

Encolheu-se nos braços de Morfeu relembrando os últimos instantes da sua vida.

Ao ouvir a porta da sala sendo fechada violentamente, Malu ainda ficou por alguns minutos chorando.

Quando o silêncio se fez ouvir apenas com o som da televisão, erguendo a cabeça, já tinha em mente uma decisão firme e que ninguém a demoveria.

Juntou suas coisas as mais necessárias na mochila e saiu de casa decidida não mais voltar.

Perambulou pela cidade a tarde toda sem ter um plano do que poderia fazer e como fazer. Estava praticamente sem dinheiro, o que tinha não dava nem para uma passagem de ônibus.

Foi quando ao virar a esquina da matriz viu RR na lanchonete tomando uma coca. Não pensou duas vezes. Entrou na lanchonete e sentou-se ao lado do rapaz.

RR muitas vezes rolou com ela no barracão da sua casa, já pagou muitos sorvetes para ela, provavelmente se lembraria dela e, quem sabe a ajudaria.

- Olá – disse sentando-se no banco ao lado dele.

RR a olhou como se olhasse para um ponto desconhecido pouco se importando que fosse ou quem seria a pessoa.

- OI, não se lembra de mim?

- Nunca a vi nem mais e nem menos gorda.

- Esperava por isso. No entanto você me pagou muito sorvete, sabia?

- Eu? Duvido!

- Vou avivar tua memória. Diga-me quantas vezes você rolou... Como é mesmo que você dizia? Ah! Sim. Magricela do 201.

- O que?

- É isso mesmo, a Magricela do 201. Sou eu.

- Caçamba! Menina como você cresceu! Lembro que você era uma magricela, mas tinha um fogo...

- Bom ainda tenho fogo...

- O que traz você aqui?

- To fugindo de casa.

- O que?

- É, meu pai descobriu o que eu faço no barracão e me expulsou de casa. To precisando de um lugar para dormir essa noite. Será que você não tem um lugar na sua casa para que eu possa passar a noite?

- Em casa não tenho, mas podemos fazer algo diferente.

- O que?

- Bom podemos curtir a noite e depois um hotel, o que acha? Eu pago tudo, desde que...

- Desde o que?

- Bom você sabe o que fazíamos no barracão...

- Topo, vamos logo que estou faminta.

22.06.07
pastorelli

terça-feira, 10 de novembro de 2009

67 – A Dama do Metrô




A manhã transcorria normalmente se apresentava aos olhos sensíveis da menina que já estava com dezesseis anos, todo o esplendor da primavera que radiava na forma do sol esturricando casas, ruas, plantas e pessoas.

Malu de shorts curto, com a blusa apenas amarrada às pontas sem abotoá-la, com uma das pernas jogadas por cima do braço da poltrona, com um copo suculento de sorvete, o qual saboreava bem devagar, tinha os olhos presos na televisão num filme para adolescente.

Sua pele amorenada deixava transpirar o odor juvenil doce e refrescante, os quais mexiam com a libido de qualquer um.

Nisso sem perceber, seu pai entra na sala.

- Ola, Malu.

- Oi, pai.

Malu olha despreocupada para o pai que senta numa poltrona a sua frente. Cabelos ainda pretos, começando a ficar grisalho, com um corpo atlético sem ser sarado, representava sem tirar nem por o velho que não queria envelhecer.

- Eu sei... , gaguejou seu pai.

- O que sabe, pai?

- O que você faz no barracão quase todos os dias.

- O que?

- É eu sei. Não tinha a certeza, mas hoje tenho a absoluta certeza.

- Do que? Do que o senhor está falando? – rispidamente perguntou levantando-se da poltrona e pondo-se em guarda.

- Do que se passa naquele barracão quando eu e sua mãe saímos para trabalhar.

- Ora, e daí, o que o senhor tem com isso?

- O que eu tenho com isso é que você é minha filha e não quero você rolando com qualquer um.

- Ora velho, eu faço o que eu quero...

- Pode fazer o que você quiser, mas não na minha casa.

- Ela é sua como ela é minha casa também.

- Escuta aqui sua vadia, prostituta, se quiser ficar aqui tem...

- Tem o que?

- De fazer o que eu quero.

- Ah! Revelou-se, seu incestuoso, há muito tempo vejo seu olhar cobiçoso em minhas pernas, velho safado.

- Escuta aqui, sua desgraçada – ao mesmo tempo em que falava, levantou-se e pegou Malu pelos cabelos forçando-a a inclinar a cabeça para trás, beijando-a na boca – se quiser ficar aqui vai ter que dar para mim também.

Desvencilhando-se das garras do pai, Malu cuspiu várias vezes como se quisesse arrancar a quentura dos lábios paternos sem conseguir.

- Nunca! – gritou – Nunca, prefiro morrer a dar para o senhor, velho cretino, safado.

Num gesto inesperado sua boca recebeu a mão do seu pai, jogando-a no sofá onde ficou chorando por longo tempo, ao mesmo tempo ouviu a porta da sala sendo fechada violentamente.

Apenas o choro e o som da televisão se fez ouvir e nada mais.

Malu apagou o cigarro no cinzeiro já cheio de pontas de cigarros. Passou as mãos nos cabelos fartos. O escritório estava silencioso. Fechou o Word, desligou o micro, levantou-se pegando a bolsa e se dirigiu ao elevador.

- Será que alguma editora estaria interessada na minha história? Se fosse nos Estados Unidos onde se publica qualquer porcaria, eu já estaria rica, já teria publicado uns três livros. Mas aqui, é uma merda.

21.06.07
pastorelli