Três estudos - a morte
Estudo nº1
Diz-se que a morte é o repouso longo.
De cada vez que te vejo através da pedra
trago a tua existência para os caminhos
da cidade incendiada por facínoras
que matam a vida a pisar os próprios passos.
Vens e vives comigo, lado a lado
a recordar velhas fotografias coladas na parede
onde a cal se cola às tuas mãos
e as tuas mãos se colam no meu rosto
e o meu rosto igual ao teu vê-te
espelho a perscrutar os meus olhos.
No repouso da terra repousa o pó
que se multiplica na voz possível
quando a flor se abre na urgência do pólen.
Estudo nº 2
Diz-se que a morte é o repouso das estações.
A mesma árvore repousada na terra
multiplica os ramos e floresce
quando o sol poliniza uma tarde de Turner
e o teu rosto acaricia os cílios
os pálios da religião da memória
a lavrar o tempo no corpo representado.
Onde a cal se cola às mãos
os dedos em fogueira consomem
a madeira apodrecida que descobre o corpo
abraçado ao pó na fantasia de nada.
A fala é o eco do silêncio adormecido
nas arestas das pedras, no murmúrio das folhas
e quando, sem querer, o rosto se ilumina no
mostrador do relógio.
Estudo nº 3
Diz-se que a morte é o repouso dos gestos
que prolongam a fala nos dias lúdicos
e Deus não tem explicação para o sabor
de um fruto colhido na imaginação do sorriso.
Os lábios aquecem a palavra fria
na fixação da natureza morta que sobrevive
na porcelana pousada na madeira velha.
Onde a cal se cola às mãos, desenho
o teu rosto que vive nas paredes brancas
da sala em combustão, e a memória
é presa fácil de sombras, companhias
de pólen e de pétalas de flores
que se abrem quando o vento fere os dedos
e as mãos sentem o pedúnculo frágil prender os lábios.
José Félix, íntima loucura, Lisboa, 2007
sábado, 9 de fevereiro de 2008
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Um comentário:
José Félix: um poeta encantado!
(no sentido mais profundo de transformar palavras comuns em poemas plenos de magia)
cLAp cLAp cLAp
AL-Braços
AL-Chaer
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