sábado, 17 de maio de 2008

RELEVÂNCIAS REVELADORAS

Paulo Wainberg

Boca de siri e pó de mico eu entendo, mas chá de sumiço?, que produto é esse?

Boca de siri se explica porque é fato público e notório que siri não tem boca.

Então, quando alguém quer ficar calado finge que é um siri, caminha de lado, usa os dedos para beliscar o outrem e, como não tem boca, nada diz.

Boca de siri é um excelente remédio para depoentes de CPIs, políticos corruptos – com perdão da redundância – e mulheres que infiéis.

Recomendo.

O pó de mico, apesar de mais complexo, também é facilmente compreensível. Pó sabe-se o que é e mico também.

O pó é o conjunto de partículas infinitesimais que se estabelece em cortinas, prateleiras, estantes de livros, meias sujas, camarotes de navios, capôs de automóveis e regiões pubeanas com pouco uso. Origina-se da desfragmentação constante da matéria propriamente dita, ou seja, o que tem consistência e vai perdendo a consistência até se transformar nas partículas – pó – que é espanável mediante o uso de espanadores e esfregaço de mãos, espalhando-se por aí até sofrer os efeitos das leis da gravidade e da inércia, assentar-se nos mesmos locais de onde foram antes espanados. Nenhum mistério, pois.

O mico, por sua vez, é uma espécie macacal, normalmente de pequeno porte e com grande agilidade através do uso de suas quatro mãos e rabo, para pendurar-se em árvores, pulando de galho em galho. Extremamente inteligente, é capaz de utilizar suas capacidades reflexivas para copiar gestos e expressões humanas e vice-versa, simbolizando à perfeição a teoria darwiniana da evolução das espécies e a teoria freudiana de regressão das mesmas espécies.

Devido às reações osmóticas, tão comuns na natureza, o mico produz uma secreção sudorífera que se mistura ao pó que se instala em sua pelugem, fazendo com que a pele absorva o produto daí derivado, submetendo-se aos processos transformativos na região gástrica e expelido pela constante flatulência mical, produz desagradável alergia quando em contato com a pele humana, sintomatizada por infernal coceira.

Daí a origem da palavra “micose” que é quando você se coça desesperadamente e a coceira não passa nem com aplicação de nebacetim, cujo nome popular é sulfato de neomicina.

Originou também a inesquecível marcha de carnaval Venha cá seu guarda, bota pra fora esse moço que está no salão brincando com pó de mico no bolso. Foi ele, foi ele sim, foi ele que jogou o pó em mim (repete).

Acometido de micose ou por uma carga pesada de pó de mico você aprende o quanto dói um suplício, descobre para que servem, afinal, as unhas e depois de tentar as pomadas mais sofisticadas resolve acabar com tudo e toma um banho de álcool - que é quando você aprende o quanto dói uma ardência.

E não se cura.

Imagine esta situação: você foi convocado pelo Ministério Público para explicar de onde saíram os milhões acumulados em suas contas, descobertos graças ao cruzamento de seus dados pela Receita Federal, logo após encerrar o seu mandato de senador da república.

No percurso você decide virar um siri, andar de lado e ficar quieto como quando, depois da terceira tentativa e das várias explicações, não conseguiu tirar o sorriso de deboche do rosto dela.

Duas quadras antes de chegar um mico invade seu carro – você não aceita o conselho de sua mulher de nunca andar com o vidro aberto, bem feito! – abraça você, brincalhão como ele só, e... flatúa.

Bem, não sei se existe o verbo “flatuar” e como para bom entendedor meia palavra é bosta, permita-me ser um pouco vulgar em nome da compreensão: o mico peida, inundando você com o seu pó.

Imediatamente você sente os efeitos alérgicos e começa a se coçar e, se coçando, caminhando de lado e fingindo ter boca de siri, tem que enfrentar o promotor público, um menino que poderia ser seu filho ou, no caso, seu neto.

Ele pergunta e você se coça. E lá se vão três horas, você não agüenta mais a situação e, numa afronta indizível, abandona o recinto em busca de um garfo, um ancinho, um pente, qualquer coisa dura e pontuda que substitua as suas unhas manicuradas e curtas, inúteis para a coçagem.

Resultado: o promotor prende você por desacato, você é colocado numa cela repleta de presos com unhas compridas e coisas pontudas e aí...

É neste momento, neste exato momento, que você gostaria de tomar um chá de sumiço.

Chá é aquela infusão esnobe sem gosto ou de gosto ruim, muito útil quando acompanhada de aspirina, conhecida popularmente como ácido ascetil (?) salicênico (?), para aliviar os dissabores de uma gripe.

Sumiço, não vou explicar. Pelo menos isso você tem que saber o que é.

A lógica não falha, você quer ingerir uma infusão desagradável que faça você desaparecer.

Há muitos, mas muitos anos atrás eu tive que ir para casa e contar que rodei em física e tinha ficado em segunda época. Coisas do século passado que existiram, sim senhor.

Era uma tragédia ficar em segunda época, um exame que se realizava em fevereiro, estragando completamente as férias de verão. Uma vergonha para meus pais, quase uma desonra. Todos os filhos dos amigos deles, meus colegas de aula, tinham passado, menos eu. A segunda época era a chance que as escolas davam para quem não tinha estudado e uma catástrofe familiar. Eu ia ter que estudar o verão inteiro e fazer o exame para não perder o ano.

Eu caminhava rumo ao cadafalso sabendo que a notícia ia desestruturar a família e que sobre mim cairiam reprimendas inarráveis, proibições desastrosas como ir ao cinema, ouvir rádio (não tinha TV), ler gibi e a pior de todas, não ir para a praia.

Um desastre que só foi menor do que no ano seguinte, quando fiquei em segunda época em Desenho. Sim, minha amiga, Desenho era uma matéria do currículo escolar. A minha aptidão para Desenho equivalia à minha vocação para explorador submarino. Desenho estava tão distante da minha realidade quanto a criação de moluscos em cativeiro ou a receita de um risoto de camundongos no Cuzibistão.

Cada passo que eu dava aumentava meu medo, tudo o que eu queria era tomar um chá de sumiço. Entende? Desaparecer da face da terra, escapar do momento crucial em que, cabeça baixa e olhando para os bicos sujos do meu vulcabrás, dizer aos meus pais: fiquei em segunda época em física.

Na esquina tinha uma farmácia e apelei. “Moça, eu queria um chá de sumiço”.

Jamais, mas jamais mesmo, vou esquecer o olhar que ela me deu.

Do lado da farmácia tinha um armazém de secos e molhados, o precursor do supermercado. Também não vou esquecer o corridão que levei do velho que ouviu o meu pedido.

Foi quando compreendi que não existe chá de sumiço. Não adianta procurar em lugar algum, nem na Daslu.

Sinceramente, espero que você encontre alguma utilidade para esta crônica. Acabei de reler o que escrevi e, francamente...

Porém tenho esperanças. Se você achar que ela serve para alguma coisa não se omita e me diga, nem que seja para me fazer um carinho.

Ah, e um bom fim de semana....

2 comentários:

Mauricio Rosa disse...

boquiaberto! meu amigo, estou com um puto dó do Luis Fernando Veríssimo... além de, tremendamente, encabulado... com tua fluência narrrativa.
muito bom... e didático!

um grande abraço
mauricio

Ler o Mundo História disse...

Oi maurício o paulo mandou agradecer e pediu seu mail pra se comunicar direto com vc, ele não se vira bem nos blogs
beijos