sexta-feira, 23 de maio de 2008

SAL

I. Prólogo do Sal

Pousa o sol, afoga o mar
Afaga em âmbar mãos trabalhadoras
A refletir carmins enquanto colhem
Em concha e precisão
O sal das águas.



II. Perdas

Há um mar solitário a navegar em si
Além do leste persegue o sol

Sem veias, sem veios, apenas correntes
Grilhões de luar e sal perdidos

Um mar perdido

Carência de sal



III. Esquecimento

Não há lágrima sem sal
Não há suor

Um mar sem sal não é doçura
É esquecimento



IV. O Mar e a Concha

Foi enquanto eu dormia
- disse o mar a uma concha
atenta -
Que me roubaram o sal.

A sabedoria da concha lembrou-o:
- Sempre haverá a lua.



V. O caminho (1º Canto do Mar)

Longo é o caminho que leva à verdade

Há que se lamber a terra
Com os pés nas nuvens

Buscar o sal é sustenir-se.



VI. O Mar e as Dunas

Ao encontrar as dunas
Quis saber o mar
O que as movia

- O vento é como um riso -
responderam vagas
e partiram.



VII. Peixes

No fundo do mar
Peixes de cores oníricas
Em convenção discutiam
Se sobreviveriam sem sal.

A velha e sábia baleia
Manifestou-se de pronto:

- Basta criarmos asas.



VIII. Ditado do Mergulhão

O mergulhão segue o mar
Sem esquecer das palavras
Que a mãe dizia em pequeno

“Atobá quando vê a vazante
evita de dar rasante.”



IX. Interlúdio I – Observatório

É do alto do horizonte
Que os olhos observam
A busca dos que perderam

Nas mãos em concha porta o sal
Nos lábios um sorriso



X. Caminhante solitário

Afastado do oceano
O mar sem sal se questiona
Em por quês e porquês.

Deixa atrás de si
Uma rosa em botão
Que não viu



XI. A Concha e o Mar.

A concha se abre e revela
Ao mar, conhecimento

“A dúvida
é o exercício da angústia”



XII. Pérolas de uma ostra

A palavra areia nem sempre encontra
Ouvidos em mim – disse a ostra
Agitando a maré.



XIII. A jornada (2º Canto do Mar)

Antes do primeiro passo
A inércia

Depois os percalços

Nenhuma busca começa no sonho.



XIV. O Fogo (3º Canto do Mar)

Com um cajado nas mãos e imponência
O fogo interpôs-se em meu caminho
Os olhos de malícia e luz.

Com um meneio de cabeça desviei:
Não era hora para lutas mas eu soube
Enquanto atravessava o caminho mais fácil
Que o reencontraria
Antes da morte.


XV. Mar conta estrelas

Cadente atravessa o céu
Rumo norte

Se busca raízes
É por que perdeu a liberdade
Ou a esperança



XVI. Pesadelo

Incontáveis vezes
Se repete
A queda

Um coração branco
Pulsa
E se desfaz ao toque

É sal

Uma baleia voadora
Encobre a lua

Baixa a maré



XVII. Interlúdio II – Velamento


A menina observa ao longe um sonho moribundo
Que em pseudopassos move-se em direção ao medo.

Surpresa percebe o reflexo da lua
A desenhar anéis nas cristas em ondas

Com o polegar e o indicador úmidos
Apaga a vela.



XVIII. Nuvens (4º Canto do Mar)

Longe dos pesadelos, as nuvens

Seus movimentos contam o futuro
Como folhas de chá no repouso
Da dança contemporânea

Uma delas – disfarce de coelho –
Em rápidos movimentos
Me disse de salto
Que haveria tempestade.

Fujo
Em direção a bonança.



XIX. Tempestade

Intempestiva a chuva lava o mar rompido
E como língua felina a lamber feridas
O cicatriza.

Não leva a dor
Que o tempo arde.

Mas ameniza.



XX. Vazios do sal

A ausência do sal é temperança
Sem tempero o que resta é parcimônia

A ausência de sal não é saudade
É vazio.



XXI. Penhasco e Queda (5º Canto do Mar)

A distância entre os passos é um salto
Se me precipito.

Toda queda é vôo
Livre
Se em mim mergulho.

Precipício me faz cachoeira
Pranto da montanha

Desmorono e me encontro na queda
Minhas próprias águas



Anderson Santos
(o destino do mar que perdeu o sal, sua história e seus (des)encontros seguem sendo escritos)

2 comentários:

Ler o Mundo História disse...

Antes do primeiro passo
A inércia

Depois os percalços

Nenhuma busca começa no sonho.

Que bom te ler por aqui
beijos

Anônimo disse...

Obrigado frô

Beijo grande