I. Prólogo do Sal
Pousa o sol, afoga o mar
Afaga em âmbar mãos trabalhadoras
A refletir carmins enquanto colhem
Em concha e precisão
O sal das águas.
II. Perdas
Há um mar solitário a navegar em si
Além do leste persegue o sol
Sem veias, sem veios, apenas correntes
Grilhões de luar e sal perdidos
Um mar perdido
Carência de sal
III. Esquecimento
Não há lágrima sem sal
Não há suor
Um mar sem sal não é doçura
É esquecimento
IV. O Mar e a Concha
Foi enquanto eu dormia
- disse o mar a uma concha
atenta -
Que me roubaram o sal.
A sabedoria da concha lembrou-o:
- Sempre haverá a lua.
V. O caminho (1º Canto do Mar)
Longo é o caminho que leva à verdade
Há que se lamber a terra
Com os pés nas nuvens
Buscar o sal é sustenir-se.
VI. O Mar e as Dunas
Ao encontrar as dunas
Quis saber o mar
O que as movia
- O vento é como um riso -
responderam vagas
e partiram.
VII. Peixes
No fundo do mar
Peixes de cores oníricas
Em convenção discutiam
Se sobreviveriam sem sal.
A velha e sábia baleia
Manifestou-se de pronto:
- Basta criarmos asas.
VIII. Ditado do Mergulhão
O mergulhão segue o mar
Sem esquecer das palavras
Que a mãe dizia em pequeno
“Atobá quando vê a vazante
evita de dar rasante.”
IX. Interlúdio I – Observatório
É do alto do horizonte
Que os olhos observam
A busca dos que perderam
Nas mãos em concha porta o sal
Nos lábios um sorriso
X. Caminhante solitário
Afastado do oceano
O mar sem sal se questiona
Em por quês e porquês.
Deixa atrás de si
Uma rosa em botão
Que não viu
XI. A Concha e o Mar.
A concha se abre e revela
Ao mar, conhecimento
“A dúvida
é o exercício da angústia”
XII. Pérolas de uma ostra
A palavra areia nem sempre encontra
Ouvidos em mim – disse a ostra
Agitando a maré.
XIII. A jornada (2º Canto do Mar)
Antes do primeiro passo
A inércia
Depois os percalços
Nenhuma busca começa no sonho.
XIV. O Fogo (3º Canto do Mar)
Com um cajado nas mãos e imponência
O fogo interpôs-se em meu caminho
Os olhos de malícia e luz.
Com um meneio de cabeça desviei:
Não era hora para lutas mas eu soube
Enquanto atravessava o caminho mais fácil
Que o reencontraria
Antes da morte.
XV. Mar conta estrelas
Cadente atravessa o céu
Rumo norte
Se busca raízes
É por que perdeu a liberdade
Ou a esperança
XVI. Pesadelo
Incontáveis vezes
Se repete
A queda
Um coração branco
Pulsa
E se desfaz ao toque
É sal
Uma baleia voadora
Encobre a lua
Baixa a maré
XVII. Interlúdio II – Velamento
A menina observa ao longe um sonho moribundo
Que em pseudopassos move-se em direção ao medo.
Surpresa percebe o reflexo da lua
A desenhar anéis nas cristas em ondas
Com o polegar e o indicador úmidos
Apaga a vela.
XVIII. Nuvens (4º Canto do Mar)
Longe dos pesadelos, as nuvens
Seus movimentos contam o futuro
Como folhas de chá no repouso
Da dança contemporânea
Uma delas – disfarce de coelho –
Em rápidos movimentos
Me disse de salto
Que haveria tempestade.
Fujo
Em direção a bonança.
XIX. Tempestade
Intempestiva a chuva lava o mar rompido
E como língua felina a lamber feridas
O cicatriza.
Não leva a dor
Que o tempo arde.
Mas ameniza.
XX. Vazios do sal
A ausência do sal é temperança
Sem tempero o que resta é parcimônia
A ausência de sal não é saudade
É vazio.
XXI. Penhasco e Queda (5º Canto do Mar)
A distância entre os passos é um salto
Se me precipito.
Toda queda é vôo
Livre
Se em mim mergulho.
Precipício me faz cachoeira
Pranto da montanha
Desmorono e me encontro na queda
Minhas próprias águas
Anderson Santos
(o destino do mar que perdeu o sal, sua história e seus (des)encontros seguem sendo escritos)
sexta-feira, 23 de maio de 2008
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2 comentários:
Antes do primeiro passo
A inércia
Depois os percalços
Nenhuma busca começa no sonho.
Que bom te ler por aqui
beijos
Obrigado frô
Beijo grande
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