domingo, 28 de fevereiro de 2010

Servir o exército.

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- Quando servir o exército ele muda, Ruly. – dizia meu tio, o irmão mais velho de minha mãe.
Ele dizia isso porque eu fui sempre uma pessoa tímida, retraída, envergonhada, por qualquer coisa que me acontecesse me sentia intimidado.
E no quartel não sobrava tempo para se pensar em tais sentimentos, em timidez, ou eu fazia o que era mandado ou eu era excluído, seria um veado, como diria o Tenente.
Um dos sentimentos que sempre me apavorou, e que no transcorrer dos dez meses que passei no exército, não lembro ter sentido uma vez sequer foi o medo.
Andava a cavalo, levei tombos, escorregões mil, cai na água, pulei obstáculos a pé ou a cavalo, exercícios de tiro, nada disso me fez sentir medo.
O que apavorava mesmo eram os boatos, principalmente os boatos propagados pelos antigos, os soldados que estavam lá quando cheguei.
O esquadrão era um edifício enorme, onde dos dois lados estavam os alojamentos com mais de 300 beliches cada um, local que a gente entrava só para dormir ou descansar, a maior parte do tempo permanecia fechado.
De dia se fazia a faxina pelos plantonistas, varrido, encerado, deixava brilhando, e à noite, depois do toque do silêncio, os mesmos plantonistas tinha que fazer a ronda, de hora em hora passar por entre os beliches verificando se tudo estava na mais perfeita ordem.
Quando eu pegava serviço de plantão e tinha que fazer a ronda, não percorria os alojamentos de ponta a ponta não, como era obrigado a fazer. Eu ficava entre os alojamentos, na parte mais clara, porque se de dia já era assustador à noite então, era mais ainda, principalmente quando era noite de lua cheia, o clarão da lua entrava pelas janelas formando sombras fantasmagoricamente grotescas.
Quando eu entrava no alojamento queria só deitar e dormir, e era o que me acontecia, rapidamente, nem bem eu encostava a cabeça no travesseiro eu já estava dormindo.
Dizia-se que vários soldados acossados pela pressão militar, longe da família, se suicidaram e que a alma dos pobres coitados rondavam os alojamentos assustando os novatos.
Uma das histórias mais arrepiantes que se contava, era que um antigo soldado, de modos esquisitos, cheio de tiques, super nervoso, meio tantã da cabeça, tentara por várias vezes, e até que um dia conseguira se suicidar.
Depois de um mês não lembrava mais dos boatos nenhum e o medo tinha sido engolido pelos afazeres diários e outras preocupações.

pastorelli

domingo, 21 de fevereiro de 2010

régua e compasso

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para Rosy Feros
se sou régua e preciso compasso
é que dificilmente eu me refaço
e nem sempre é o que eu passo
o que geometricamente eu traço
o contorno deste tom quase lasso
está registrado nos meus braços
onde me embriago como devasso
em castos beijos e doces abraços
ah! régua e preciso compasso
quisera eu ser e o imenso espaço
métrico ter me livrado do cansaço
que me impõem o temível compasso
e assim usufruir do teu livre espaço
recebendo o conforto do teu abraço
pastorelli

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Psicografia

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Quase todos os dias eu via dois urubus. Não, não são freiras. São duas moças, até que bonitas. Sempre de preto, exigência do serviço? Uniforme? Não sei e nunca vou saber, minha curiosidade não foi tanta para perguntar. Estavam sempre tagarelando. Duas vorazes leitoras. Sempre com um livro de auto ajuda, desses psicografado, da Zibia Gaspareto. Não tenho nada contra esses livros e muito menos de quem os lê. Só que essas pessoas, creio que nem todas, mas elas duas pareciam ser as donas da verdade. E ainda por cima, antipáticas, nariz arrebitado, pelo falatório dava a entender que só elas é que tinham razão, só elas é que estavam certos, os outros é que estavam errados. A meu ver pessoas desse tipo deviam ser fuziladas.

pastorelli

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Mmória

“... a memória não se faz presente, de uma só vez, mas se desdobra em vários tempos...” - Freud a Fliess/Carta 52.

É como um trem composto por vagões de memória, habitados por sentimentos vários.

Tenho um poema que escrevi há tempos – Coração Vazio – que fala de trem, vagões, estações e vinho. É um dos meus filhotes favoritos.

Hoje, sentei-me no vagão da nostalgia e folheando arquivos empoeirados, deparei-me com as palavras de amigos que há muito se fazem ausentes.
Alguns se foram deste mundo e deixaram seus registros, outros se perderam no tempo e no espaço infinito da vida (talvez para sempre). Muitos foram resgatados num cantinho criado pela Frô:
Poetas Lusófanos .

Tive notícias de tantos através do Google. Gravei seus caminhos e, entretanto, deixo-os irem, sem ao menos esboçar um aceno.
Porquê? Não sei ao certo. Desconfio que seja pelo fato de que os interesses, antes comuns, tenham se tornado distintos.

Mesmo assim, me são caros e, muitas vezes, sento-me em silencio ao lado deles servindo-me fartamente no prato de suas palavras.

Hoje, a nostalgia é imensa. Paralisou os atos, os fatos. Deixou apenas que as palavras convertam-se em lágrimas de saudades, caindo fartamente pelos olhos.

Minhas Palavras

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Pobres heróis esquecidos...

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“A faixa amarela é a sua segurança, só a ultrapasse quando o trem abrir as portas, evite arriscar a vida” – berra o alto falante da estação do metrô.
Viver a vida sem arriscá-la é melhor não vivê-la. Se eu não me arriscar à vida será pura monotonia, será uma chatice sem graça nenhuma. É claro que não vou me arriscar a ponto de perdê-la fisicamente. Vou é viver apaixonadamente no limite do perigo, ou melhor, viver no perigo do limite, entre o real e o irreal, entre isto ou aquilo, aliás, prefiro viver mais aquilo do que isto, pois isto já conheço e aquilo ainda não conheço e o não conhecer é mais fascinante do que o conhecido, o não conhecer me faz viver, me faz mudar constante meu passo um após o outro seguindo as trilhas insondáveis, os caminhos inesgotáveis que poderão me proporcionar o alimento a minha sede de prazer. Apesar de bela a vida em si é insípida monotonia onde os heróis “morreram de overdose”. Hoje em dia não há mais heróis, tiraram seu espaço para a genialidade, nem no cinema, nem na música. O pai deixou de ser o herói dos seus filhos achatados pelo consumismo desenfreados morrendo podres e esquecidos numa vala qualquer de um cemitério qualquer.

pastorelli