segunda-feira, 31 de março de 2008

UMA PALAVRA
Carlos Edu Bernardes

estava eu no rio quando uma palavra boiou perto da sombra de uma árvore.
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era uma palavra longínqua e tinha um cheiro de coisa que estava estragada e era viscosa e pesava.
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era uma palavra que pelo jeito nada entendia de bichos porque por onde passava ao seu redor era apenas água que se sujava e pronto.
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de todas as palavras que vi e de todas as pronúncias que pulavam no vilarejo essa palavra eu poderia dizer que era ruim de falar e tinha um semblante ambicioso como se suas letras conspirassem macular o dicionário.
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talvez ela tivesse certeza de que um dia perambularia num rio e se espalharia pelos ares e que não seria entendida por um pequeno e roto pescador e sendo abusada e propagativa faria com que fosse pronunciada em todos os lugares.
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como quem quer nada e como alguém que sempre respeitou as poucas palavras que conhece eu a segurei pelos lados e tentei clarear suas sílabas oleosas de substantivo.
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mas nesse momento com espanto percebi que ela não ficaria limpa e sim contaminaria os panos da minha canoa e os corpos dos meus peixes sadios de natureza.
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sem saber o que fazer vi que ela escapulia de novo pelo rio e logo outras do mesmo álbum de sinônimos vieram acompanhá-la.
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agora de cada cinco palavras ditas nos arredores e nos açudes três são 'poluição' e as outras duas pelo visto e sentido nem multiplicadas por mil acabarão com ela não.

2 comentários:

poetas_lusófonos disse...

Muito bom, Carlão com grande domínio da palavra, parabéns. Osvaldo

poetas_lusófonos disse...

Obrigado, Mestrosvaldo!