Estava no horário. Não teria que correr, se o metrô ajudasse, for mais rápido, chegaria até com vinte minutos de antecedência. Foi quando ao virar o rosto, num movimento inconseqüente, notou o rapaz loiro em pé que a fitava. Seu coração disparou. Nunca fizera amor com um loiro. Não poderia perder a oportunidade. Indecisa se devia ou não, encarou os olhos escuros que a admirava. Nisso, um perceptível gesto chegou até os seus olhos bem no momento em que se levantava para descer. Da plataforma jogou um beijo antes que a porta do trem fechasse. O loiro sorriu, talvez pensando em encontrá-la futuramente.
sábado, 26 de abril de 2008
17 – A Dama do Metrô.
Estava no horário. Não teria que correr, se o metrô ajudasse, for mais rápido, chegaria até com vinte minutos de antecedência. Foi quando ao virar o rosto, num movimento inconseqüente, notou o rapaz loiro em pé que a fitava. Seu coração disparou. Nunca fizera amor com um loiro. Não poderia perder a oportunidade. Indecisa se devia ou não, encarou os olhos escuros que a admirava. Nisso, um perceptível gesto chegou até os seus olhos bem no momento em que se levantava para descer. Da plataforma jogou um beijo antes que a porta do trem fechasse. O loiro sorriu, talvez pensando em encontrá-la futuramente.
quinta-feira, 24 de abril de 2008
terça-feira, 22 de abril de 2008
OURO POR OURO, PENTE POR PENTE
Muitas coisas na vida são assim, ouve-se falar, tira-se as próprias conclusões e acredita-se nelas como se fossem verdadeiras.
Não recordo como a expressão “olho por olho, dente por dente” entrou na minha esfera de conhecimento, se através de amigos, de alguma leitura, notícia de jornal ou citação e sempre teve, para mim, a conotação de incitar vingança, de ser uma norma cruel e de péssima reputação.
Ocorreu que certa madrugada despertei pensando: “Quem foi Talião?”. A pergunta ficou martelando até que adormeci novamente. Quando acordei pela manhã, a perguntou ressurgiu e, antes de querer a resposta, eu perguntava o motivo da pergunta.
Na época eu fazia terapia em grupo, uma grande experiência por sinal. Coloquei a questão para grupo, na esperança de ouvir uma explicação dos colegas e uma interpretação do terapeuta.
Vã esperança. O assunto não deu IBOPE, o máximo que ouvi, “em passant” como diz o Lula, foi um comentário distraído: - ter curiosidade não é problema – e foi-se o grupo a tratar do problema de um rapaz que vomitava sempre que se aproximava de uma mulher.
Não me amofinei, sinceramente. Se eu queria saber quem foi Talião, então que fosse pesquisar e saberia. Na época as fontes rápidas de informação eram as enciclopédias, enormes coleções que tratavam, sinteticamente, do manancial do conhecimento e tinham que ser atualizadas todos os anos. Não era fácil a procura. O último volume em geral era um índice alfabético que remetia ao número do volume e da página correspondente. Se você não encontrasse o que procurava no índice podia desistir, a informação não existia ou não estava disponível.
Havia três enciclopédias na biblioteca do meu pai: a Jackson, a Barsa e o Tesouro da Juventude.
Durante algumas semanas olhei para as estantes e deixei para amanhã a pesquisa, eu tinha coisas mais importantes a fazer, a principal delas era esperar que meus pais saíssem para o cinema para tentar comer a empregada doméstica.
Durante o dia não dava para pesquisar, tinha o colégio, o futebol, o tema de casa – que sempre ficava para depois, os amigos, as gurias, atividades prioritárias que teimavam em reforçar minha preguiça, meu pecado capital preferido, depois da luxúria e da gula.
Passaram os dias e passou o desejo de saber quem foi Talião. O assunto afastou-se da minha realidade tanto quanto a desova dos bacuris ou as leis de consumo na Groelândia.
Seguiu a vida como os rios, Talião e sua Lei repousando em algum limbo da memória, arquivo não utilizado.
Alguém já usou a expressão: “os insondáveis mistérios da mente”? Caso ninguém tenha usado alegre-se, você está diante de uma originalidade. Mas não se empolgue, tenho certeza que já ouvi essa expressão, literariamente falando.
Pois.
A mente possui insondáveis mistérios, o maior deles é o comportamento. Explico melhor: a mente se comporta tão misteriosamente que, nem usando as mais modernas técnicas de hipnose, de lavagem cerebral, lobotomia central ou lateral, introdução de chips aleatórios, condicionantes ou perspicazes, biópsias eletrônicas, autópsias médico-legais, perfurações profiláticas, anodos sinodiais e ondas nanomagnéticas, se consegue sondar.
Não é que, há quinze dias, acordo de madrugada querendo saber quem foi Talião? Olhei o relógio, eram quatro e meia. Levantei e fui ao banheiro, fazer xixi. Terei acordado para fazer xixi e pensado em Talião ou terei acordado pensando em Talião e aproveitado para fazer xixi?, era o que me perguntava, observando as borbulhas na água do vaso sanitário. Puxei a água, lavei as mãos e, decidido a não prolongar a matéria e adiar a dúvida, combati herculeamente a preguiça e fui pesquisar.
Diante de mim, no lugar das imensas estantes e suas enciclopédias intermediáveis, a tela e o teclado do computador.
Ó benesses da vida moderna e suas simplificações.
Contive a impaciência enquanto minhas configurações eram abertas, os ícones da área de trabalho se revelavam, os negocinhos da barra de ferramentas entravam em ordem e o anti-virus realizava uma atualização automática. Cliquei na internet, entrei no Google, digitei Lei de Talião entre aspas e em 0,12 segundos apareceram aproximadamente 47.100 informações.
Não pesquisei todas, na verdade apenas duas.
Descobri, espantado, que “talião” não é ninguém, não é um lugar, não é sequer o nome de alguma coisa. É uma palavra composta originária do latim: talis onis ou talio onis, isto é, “pena igual à ofensa”, norma descoberta pela primeira vez no Código de Hamurabi e depois referida na Tora judaica, manifestada pelo aforismo universal, Olho por Olho, Dente por Dente.
Estarrecido, continuei lendo e aprendi uma coisa que, como advogado, eu devia saber há muito: a lei de talião constitui a primeira manifestação legal que estabelece que a indenização deve corresponder exatamente ao dano causado, nem mais nem menos. Dela provem as proibições existentes nos Códigos Civis, desde o Direito Romano, de enriquecimento ilícito, isso é, alguém obter vantagem indevida a custa de outrem, ainda que o outrem tenha causado um dano.
Ao contrário de ser a expressão imperativa para “vingança”, a Lei de Talião limita o direito do prejudicado em ver reparado o dano sofrido e impede que o causador desse dano seja explorado, tendo que indenizar além do prejuízo que causou. Se me tirares um olho, terás que me devolver um olho. Se me tirares um dente, terás que me devolver um dente.
A conotação vingativa foi introduzida pela Igreja Católica que tanto revisou o Velho Testamento. Segundo a nova interpretação, se me tirares um olho, tenho o direito de te tirar um olho, se me tirares um dente, tenho o direito de te tirar um dente.
Ou seja, vingança pelo prazer da vingança, visto que nenhuma vantagem aufere alguém que se cobra de um olho perdido tirando um olho do outro.
A norma original, que continha um conceito primordial da Justiça – reparação do dano no limite do dano - foi transformada em apologia do ódio gratuito, enriquecendo o manancial das pregações religiosas e suas eternas e inúteis sagas em favor do Bem, na eterna luta contra o Mal.
Que coisa!
Não sei você mas eu prefiro o sentido original: se você me prejudicar em dez, tem que me indenizar em dez e não vinte.
Bem melhor do que aleijar a sua perna, caso você tenha aleijado a minha num acidente causado por você.
Para que serviriam, aos olhos do mundo, das religiões e dos deuses, mais dois mancos atravancando o fluxo de pedestres, nas calçadas?
Paulo Wainberg
segunda-feira, 21 de abril de 2008
SUOR DA FELICIDADE
Queria relaxar, espairecer, me divertir e, casualmente, emagrecer cinco quilos.
Certa manhã, parecida com a de hoje, aqui em Porto Alegre, brilhante como são as manhãs de outono quando o ar parece polvilhado de bilhares de partículas luminosas, o rio assume cor de prata e as árvores choram a cada folha que cai, uma colega de spa lia um livro à beira da piscina, estirada numa chaise-longue.
Escorriam lágrimas pelo seu rosto. Cheguei perto da moça que era adequadamente gordinha para o ambiente e vi, surpreso, que ela estava lendo um livro meu, de crônicas, não lembro se o primeiro ou o segundo, que eu tinha levado de presente para a gerente do spa que era minha amiga e ela pegara emprestado.
A moça olhou para mim e sorriu, os olhos úmidos e as bochechas gordinhas manchadas pelos traços das lágrimas. Perguntei por que ela chorava e ela me respondeu que aquilo não era choro, era o suor da alma. – Suas crônicas estão fazendo minha alma suar, explicou.
Ó orgulho, teu nome é vaidade!
Inflei tanto que recuperei os quilos que já havia perdido e ganhei alguns mais. E não era para menos, não é qualquer escritor que faz a alma de uma mulher suar, eu não conhecia nenhum outro, até então.
E, modestamente falando, ainda não conheço.
De outra parte a moça, cujo nome olvidei, subiu dez andares no patamar da minha consideração: Sensível, bom gosto, acuidade literária, inteligência superior, quase esqueci que ela era gordinha demais para o meu gosto e, aqui entre nós que não sou de fazer fofoca, o rosto também não era lá essas coisas, nada de querer ver na hora de acordar.
Aos mais afoitos esclareço que nada aconteceu, nem a conversa seguiu adiante. Eu me senti tão imenso que não havia espaço para mais ninguém, o mundo era pequeno demais até para mim.Os dias seguintes transcorreram sem incidentes, aprendi a dançar aeróbica, fiz ginástica na piscina, virei um ser à milanesa, untado de óleo e coberto de sal, tomei choques leves no estômago, caminhei quilômetros, derreti como um protoplasma em saunas úmidas, levei surras de folhas aromáticas nas costas, coxas e bunda e devorei refeições gargantuélicas, compostas de folha de alface, ricota, cinco centímetros de filé de peixe, tudo ao saboroso tempero de duas gotas de limão, sobremesas compostas de dois milímetros de gelatina sem gosto e cafezinho com meia gota de adoçante. Na pesagem final eu tinha perdido seis quilos e fui consagrado, no jantar de despedida, quando o cardápio mudou substancialmente com o acréscimo de mais uma folha de alface, como o campeão da perda de peso da semana. Tenho a faixa lá em casa, para provar a glória.
Nunca esqueci a definição da gorducha, que pouco emagreceu sob a tortura, para lágrimas: suor da alma.
Mesmo eu, que não acredito em alma, reconheço que o conceito é lindo e, como quase nunca sou mentiroso e omisso, vou revelar a você, em absoluto sigilo, que ao longo dos anos, muito me valeu o episódio.
Durante os piores momentos de tristeza, de saudades, de abandono, todas as vezes que me olhei no espelho e chorei, nas horas trágicas de perdas e fracassos, ao sentir vergonhas pérfidas de ressacas homéricas e constrangimentos formais, sempre me restou o consolo de saber que, um dia, o que escrevi fez a alma de uma mulher suar, portanto eu não era tão péssimo.
Os anos passaram, muitos para o meu gosto.
Encontrei outros modos de lidar com frustrações, criei anti-virus contra tristezas, larguei aquela de viver com pena de mim mesmo, evitei situações em que pudesse me sentir abandonado, larguei de mão os porres e elaborei consistentes filosofias para sofrer menos com as perdas de pessoas queridas.
Há quem diga que amadureci, mas eu não acho.
Inclusive tenho a pretensão de ter decifrado o desejo que nos aumenta, a partir de certa idade, de voltar a ser jovem, mas isso outro dia eu conto.
Suor da alma, quer coisa mais linda para pensar, numa manhã de sol, em pleno outono? Sem orgulho e sem vaidade?
Você se comove e sua alma sua, o suor escorre de seus olhos, brilhante e salgado e, destilada a emoção, a alma se conforta.
Clarice Lispector já fez suar minha alma só que eu não sabia.
Lya Luft abriu uma cascata de suor em minha alma, com seus poemas vividos, cada verso uma gota de suor da alma dela mesma.
Beethoven arranca toneladas de suor de minha alma, principalmente o segundo movimento da Sétima Sinfonia.
Atualmente a torneira do suor de minha alma está totalmente aberta e acho que vai ficar assim por mais trinta e seis dias.
Suor bom, suor gostoso, suor de alegria, de lavar a alma para que, limpa e satisfeita, ela saiba que jamais deve perder a capacidade de suar .
Muitos me olham e perguntam se estou pegando uma gripe, de tão inchados meus olhos andam, tão ardidos do suor da minha alma. E vai melhorar, sei que vai, serão suores abundantes que temo, quando chegar a hora, não poder controlar, muito menos conter.
Nesta contagem regressiva que já soa interminável, ganho mil emoções novas a cada dia, sensações indescritíveis de empolgação e felicidade a cada hora, devaneios de expectativa e ansiedade a cada minuto.
Maio vai chegar e nele o dia vinte e quatro.
O dia do casamento da minha filha.
Paulo Wainberg
sábado, 19 de abril de 2008
poema - Zemphira
.
.
Zemphira
não sei dançar
às vezes
sei um pouco
sei fugir
não sei pertencer a ninguém
todos vêem o vestido
da bailarina de Chagall
ela dança nua
só para mim
seu coração
bate no ventre
um pássaro
nasce dos seus dedos
tenho medo
esqueci de dizer
sei ter medo
sei muito
ela voa
isso eu sei
é uma das poucas coisas que sei
mas não sei
se o véu é de noiva
se são asas de anjo
também não sei
se é sol
se é lua
no canto do quadro
na dúvida
me escondo
fique sabendo
não sei de nada
mas deu uma vontade
de dançar
e sei
você me ensinaria
seria amor
outra coisa que não sei
ou sei
que não quero aprender
AL-Chaer
terça-feira, 15 de abril de 2008
16 – A Dama do Metrô.
quinta-feira, 10 de abril de 2008
O fio que liga a vida ao corpo
deitar o corpo ao chão
unir à alma
o espírito rasteja e lambe as sombras
e não há sombras
sobras ao fogo
a língua é fogo
tatear o piso frio
buscar as frestas
lugares pra aparar
tuas arestas
deitar o corpo ao chão
purgar a mácula
da língua, o fogo cospe o deletério
se o fio que liga a vida ao corpo é morte
unir o corpo à alma é adultério
Anderson Santos
terça-feira, 8 de abril de 2008
15 – A Dama do Metrô.
Nisso, o negro... Não, não deveria chamar de negro, isso é preconceituoso, não é politicamente correto. E como deveria chamar essa massa nua e escura ao seu lado? Gostaria de saber. Como se tivesse lendo sua mente, Malu assustada deparou com o olhar do amante fixado nela através do espelho pendurado na parede. O moreno percebeu o embaraço dela:
- O que foi? – perguntou.
- Não nada.
- Como nada, se você se assustou ao ver que eu estava te admirando, falou virando-se de frente para ela.
- Bem, é que estava pensando como deveria chamá-lo.
- Como assim?
- É que não sei se devo chamá-lo, não se ofenda, por favor, de preto, negro, moreno, enfim, o que é politicamente correto.
- Oh! branca... Pode me chamar do que quiser, não tenho essa frescura que muitos negros tem, não.
- Ainda bem.
- Tanto é que você me chamou de nego... Até disse, vem nego saciar sua branca carente.
- Disse.
- E quando?
- Quando chegamos os dois ao orgasmo. Até cravou suas unhas em minhas costas, o que achei delicioso.
Envergonhada, sem jeito, deu lhe um beijo ao qual foi retribuída.
Fazia de tudo para não parecer uma prostituta, talvez até fosse, mas não queria que seus amantes pensassem isso dela.
- Escuta, não sou o que você está pensando...
- O branca! Não estou pensando nada, ta. Vou tomar um banho que tenho de trabalhar. Aliás, venha, venha tomar banho comigo, o que acha?
Malu achou a idéia boa. Jogou as cobertas de lado e abraçados entraram no banheiro.
quarta-feira, 2 de abril de 2008
Para o Antoniel Campos
Caminho meio perdido
Com sentimentos isolados
Sinto-me machucado
Machucado mas aquecido
Percorro ruas esquecido
Silencioso e cansado
Passo noites amargurado
Assim tento te esquecer
Deixei de lamentar a dor
Com outro amor vou viver
Do teu maldito e fútil amor
Vou rapidamente esquecer
Do qual não terei nenhum pudor
- poema inspirado em “Aço de mim”, de Antoniel Campos -
AÇO DE MIM
Recluso em mim mesmo e esquecido,
Assim passei na vida, isolado...
Sentindo-me também "emparedado"
E tendo o peito nunca aquecido...
Não sei por que me quis aparecido...
Não sei por que me fiz tão procurado...
Me ver de corpo aberto, desnudado,
Melhor senhor de mim nunca ter sido...
Assim passei na vida e ainda passo...
Sabendo-me silêncio, me fiz Aço,
E Aço, enfrento as dores que me surgem...
Silêncio que eu era me fiz grito...
Do Aço que eu fui me fiz ferrugem...
Antoniel Campos