domingo, 30 de novembro de 2008

42 – A Dama do Metrô.


- Brunildo? – espantou-se Malu.
- Sim. Por que?
- Desculpe, mas é que nunca vi um nome como o seu.
- Coisa de família, sabe. O nome da minha mãe é Bruna e, do meu pai é Hildo, então resolveram juntar os dois nomes num só, e aí saiu Bunildo. Interessante não é?
- Interessante mesmo...
- Veja meu RG para não dizer que estou mentindo.
Malu pegou o RG e constatou ser esse mesmo o nome dele.
Coitado, pensou, um rapaz atraente, bonito, e com esse nome.
- Escute.
- Sim?
- Quer me visitar onde trabalho?
- Uhm, seria bom.
- Mas há uma coisa.
- O que?
- Não sou garçom?
- Não é? Calculei que fosse.
- Por causa do uniforme?
- Sim?
- Não, não sou garçom, sou chefe de cozinha.
- O que?
- É, chefe de cozinha. Eu que preparo a comida do restaurante, gerencio a cozinha toda.
- Então você não irá me servir?
- Não vou e nem você quereria.
- Por que?
- O restaurante é de luxo e os pratos são caros.
- Então...
- Eu te levo para conhecer a cozinha e me ver trabalhando e lá mesmo a gente almoça ou janta. O que acha?
- Gostei.
- Qual o melhor dia para você?
- Todos os dias, desde que me avise com antecedência.
- Ah! tem alguém...
- Não tenho ninguém, não. É que pode surgir compromisso que não poderei adiar.
- Tudo bem. Esquece, estava brincando, não tenho direito nenhum de me impor.
- Acho bom mesmo. – Malu sorriu contente.
- Eu te telefono, está bem?
- Estarei esperando. – disse sem acreditar muito que ele fosse lhe telefonar.
Despediram-se. Cada um tomou o caminho do seu destino tendo no peito a chama da esperança a revigorar o espírito aventureiro.

02.01.07
pastorelli

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

poema - pontos

.
pontos


um
.

dois
:

três
...

dez

ponto

de exclamação
de interrogação

ponto fixo
ponto de fuga
ponto de tangente

dois pontos
uma reta

três pontos
um plano

quatro pontos
espanto

ponto de ônibus
ponto de táxi

registro de ponto
o ponto-cruz
a clara em ponto-neve

pontos ganhos
pontos perdidos

ao ponto
ponto de ebulição
ponto de saturação

pontual

aponto
a ponta do lápis

a borracha
engana meus pontos fracos

a ponta esferográfica
a ponta porosa
a ponta da pena tinteiro

a tinta permanente
expõe meus pontos de sutura

ponto de corte

a vida
sempre por um fio
de um ponto
final

ponto de partida
ponto de parada

segundo
ponto a ponto
escolha

.)a
:)b
...)c


AL-Chaer

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

41 – A Dama do Metrô



Malu sorriu de leve, quase imperceptivelmente. Abaixou os olhos. Pela segunda vez nesta semana, o rapaz olhava para ela e sorria num jeito audacioso, até maroto. Encostado a porta, lendo o livro, de vez em quando erguia a cabeça e com os olhos procurava por ela. Malu vinha observando-o, bem apresentável, com um uniforme discreto, mas que denunciava a profissão, bem, era o que ela deduzia que fosse: garçom.

O cabelo preto, cortado quase rente, nariz adunco, meio voltado para baixo, olhos pretos, de um meigo brilho revelando o sorriso da alma, boca de lábios finos, não delicados, cobertos por um bigode ralo, queixo proeminente, compunha uma face bonita, atraente.

Só o notara porque sua mente dispersa vagueava entre as pessoas sem se fixar num ponto. Foi então, que ao erguer o olhar, reparou nos olhos pretos, de olhar meigo a olhar para ela. Como ele sorria de leve, Malu retribuiu o sorriso. E a partir desse dia, numa coincidência cinematográfica, pegavam o mesmo vagão do metrô. Isto é, quando ela entrava no trem ele já estava lá, talvez angustiado sem saber se ela veria ou não. Malu notava ligeira mudança no aspecto dele ao vê-la. Parecia que uma luz iluminava seu rosto bonito, devolvendo, no sorriso suave, a luz que ela lhe transmitia. Malu sentia isso, mas não conseguia explicar o porque.

No terceiro ou no quarto dia, não lembrava, sucedeu o que tinha ou o que deveria suceder. Se perguntasse a ambos, como fora nenhum dos dois saberia dizer, principalmente com pormenores, como chegaram à intimidade. Malu não ousava se explicar, não queria quebrar a magia romântica, apesar de não ser romântica e, sim, prática. Ele, Brunildo, também não queria entrar em detalhes, pois o que acontecera era para ser aceito e nada mais, o inexplicável tornava a relação mais excitante, dizia ele, toda vez que Malu tocava no assunto.

Beijando seus seios formosos como a polpa de um figo rosado, retrucou:

- Então estamos conversados, não falemos mais nisso.

28.12.06

pastorelli

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

taipeiro
©mauricio rosa

avisto ainda atrás do sino o sonho
e nacos da ilusão já carcomida
que o tempo se incumbiu de proteger.
o resto da infância amontoada
se transformou em cinza e misturada
às traças vê seu corpo apodrecer...
alguns meninos brincam, a rede espia
o riso sendo aos poucos despejado
dos gestos e semblantes sem poder.
um dia a vida foi dentro dos lares
agora desdentados, loucos, cegos,
centelha de querências e fulgor!
hoje o silêncio embrulha as madrugadas
e a oração descrente embala a dor...

poema - flor do cerrado




poema - estações



estações


água
mole em pedra
dura

a pedra
dura
a água
acaba

e o ditado
tanto bate até
que o menino acerta
as sílabas
do primeiro amor

a água atura
até acabar

o apito do trem
apita que o trem vem vindo
apita que o trem vai indo

o trem vem
o trem vai

entra e sai esse trem
trem
bão

os trilhos fazem pequenas curvas
suaves

os rios
têm mais curvas

ela tem mais curvas que
os rios

nela eu penso reto

a veia
as veias
aveia com leite
tirado no curral
o bigode de espuma
nos lábios que eu beijei

no pasto
a égua da Rita
ri

relincha
meu cérebro de potro

o homem da cidade
chega
com umas máquinas esquisitas
lépitópi
gepêésse

o rio vai ficar no mesmo lugar
rio não anda

o homem diz que o rio vai acabar

eu rio
também

o homem ri
o mundo ri
menos o rio
que já riu

Rita
ri pra mim

depois
grita

vai entender os
rio
vai entender os trilho

o mato cobriu os trilhos
o que sobrou dos trilhos

um dia
o trem se foi pra não voltar

o rio continua indo
nas chuvas

na seca
o fundo do rio aparece
todo rachado

é quando eu me lembro
que já senti muita saudade

vai entender as mulher
vai


AL-Chaer

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

40 – A Dama do Metrô.



Malu sobressaltou-se com o toque do telefone. Ainda não se acostumara com ele. Só ela com seus pensamentos na pequena cabine de vidro. Atendeu:
- Alô!
- Alô!
- Pois não, querido.
- Desculpe, pensei que quem atendia fosse homem.
- Não meu bem, aqui é para os hetero.
- A sei.
- Você quer homem? Gay?
- Sim.
- Um minuto vou ver se consigo transferir.
Malu se afastou um pouco o fone do ouvido, e voltou a atender alterando o tom da voz.
- Pois não...
- Oi, tudo bem?
- Tudo bem.
- Puxa! Gamei na tua voz. Bem sensual.
- E aí vamos brincar? O que você deseja?
- Bom, não sei, que tal me dizer o teu nome.
- Nome?
- Sim, por que? Não pode?
- Pode sim. Qual nome você gosta?
- Um bem forte, sexual, másculo.
- Que tal Jaimão.
- Jaimão?
- É.
- Ta aí, gostei Jaimão.
- E você, tem nome?
- Tenho.
- E qual é?
- Jaiminho.
- Jaiminho?
- Sim, não gostou?
- Gostei, bem feminino, bem doce...
- Você faz tudo, Jaimão?
- Faço o que você quiser, Jaiminho.
Malu se esforçava para não rir.
- Jaimão, você parece que está gripado?
- Um pouco Jaiminho.
- Que pena!
- Por que pena?
- Estava afim de um boquete.
- Podemos fazer, você quer?
- Quero.
- Então espere vou abrir a braguilha...
- Quero que você faça em mim.
- Ok, vamos lá então. Fale-me como está vestido.
- Jaimão, não vai dar.
- Porque?
- Você está gripado.
- Mas não vamos nos tocarmos, será tudo pelo telefone.
- Não, sinto muito, não quero pegar AIDS.
Desligou. Malu ficou por um tempo com ar de abobada. Colocou o fone no gancho e caiu na gargalhada. As outras meninas olhavam para ela sem entender o que tinha acontecido.
Estava no tele-sexo há um mês por questão de dinheiro, não tinha intenção de continuar muito tempo nisso, não.
Topara esse serviço por que...

27.12.06
pastorelli
ao meu filho
mauricio rosa

aqui
onde o silencio se encontra
com a vontade do ser
planto a semente que ontem
furtei de um grande querer...
assim,
quando na distância
o calor se avolumar,
a lágrima regar a dúvida
e o corpo se arrefecer
do cio da juventude,
virei te encontrar aqui
com o gasto feixe de planos
que carreei pela vida!
não mais desejo serás,
um varal de cromossomos,
meu primogênito, meu sonho,
mas outro monte de espantos
como fui, sou e serei
pelo vácuo da existência.
é nessa hora, meu filho,
que preciso que entendas
e de coragem te enchas
para desatar meus nós
que nada digas e fales
através do teu silencio
que um dia plantei
aqui